Eu Morri Para Te Assombrar - 3

1.4K 202 165
                                    


O fato de que Dwi foi educado e gentil com Müller pela primeira vez nos doze anos da vida escolar compartilhada deles não significava nada para Müller. Também não alterava nem um pouco os sentimentos de desprezo que Dwi lhe inspirava.

No entanto... também não os aumentava. Seria cretinice da parte de Müller, odiar mais um cara só por ter tido a ousadia de ser legal com ele quando Müller o detestava. Ainda mais quando o cara em questão nem sabia que Müller o detestava.

Até porque Dwi sempre teve uma fama de ser legal com todo mundo (mas não como a Helen).

Isso não é importante. O que importa é que Dwi estava momentaneamente salvo de mais críticas por causa de um elogio.

Na verdade, elogios. Porque é claro que o filho da mãe continuou a fazer comentários comparando as maquiagens das outras sessões da mesma peça com as maquiagens que ele tinha visto nos vídeos de Müller. Vídeos que o Dwi assistia com uma das irmãs mais novas dele (Wulan, de sete anos). Que era uma grande fã do canal do Müller. Que tinha feito o irmão mais velho dela assistir todos os vídeos de um cara da cidade deles(!!!!) se maquiando, ou maquiando "modelos" (a mãe do Müller. E, de vez em nunca, a Helen).

O que não fez Müller sorrir. Nem um pouco.

No entanto, passar tanto tempo juntos estava meio que fazendo Müller começar a questionar se o nível de ódio que ele sentia era justificado -- ou saudável. Afinal, os dois haviam interagido umas quatro vezes no máximo nesses doze anos, excluindo essa convivência forçada no Limbo. Dessas quatro ocasiões, apenas uma foi excruciante para Müller, e tecnicamente Dwi nem foi parte do drama. O cara só ficou preso no meio do tiroteio que era a vida amorosa de Müller (e da Helen também).

O que fazia Müller se sentir levemente (nada de mais, dava para ignorar) mal por xingar Dwi pelas costas durante anos. Geralmente em conversas com a Helen, ou então dentro da sua cabeça toda vez que o Dwi aparecia no seu campo de visão.

Mas Müller tinha uma ótima desculpa para nunca ter parado para pensar como o Dwi talvez não merecia seu ódio... Ele só precisava inventá-la. Com todo esse tempo de sobra que ele tinha no momento.

Depois que a primeira peça acabou, Müller precisou de alguns segundos para superar sua mão traíra, pelo menos o suficiente para que ele pudesse voltar a navegar na programação disponível. A distração perfeita apareceu quando Müller abriu a programação do seu quarto de novo: era quase meio-dia. O que significava horário de visita no hospital.

O que significava ver sua avó. Ou pior, sua mãe.

Ao menos Müller tinha certeza que não iria ver seu pai, já que ele estava numa viagem na Alemanha. O mesmo pai que, agora que ele parou para pensar, prometeu voltar com várias lembrancinhas alemãs que Müller nem teria a chance de ver caso não fosse ele quem saísse do Limbo.

Ótimo. Outra coisa que ele vai pensar obsessivamente que poderá perder.

Müller respirou fundo por alguns segundos antes de abrir o canal e se arrepender instantaneamente. A sua mãe estava chorando silenciosamente enquanto segurava sua mão inerte na cama.

Müller xingou baixinho e enterrou a cabeça no meio dos seus joelhos. É claro que ela estaria chorando, Müller pensou, revirando os olhos para ele mesmo. O que você achou que ela ia fazer? Ela chora quando acidentalmente te acorda cedo mais com barulho domingo de manhã. Ela chora quando vê um cachorro que é fofo demais. Ela chora com tudo.

Mas listar momentos em que sua mãe chorava inocentemente na vida nem se comparava com o momento em que o filho dela está numa cama de hospital, em coma (aparentemente induzido, pelo que Müller entendeu da plaquinha na cama dele). Ele sabia.

Nossos 12 mesesOnde histórias criam vida. Descubra agora