Setembro Chove - 2

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         Setembro é o mês da primavera. Nem todas as flores desabrocham apenas nesse mês, mas por algum motivo setembro é considerado o mês das flores.

É bem difícil entender como flores poderiam desabrochar no meio de tanta água. Elas ficam sufocadas. Água demais mata tanto quanto água de menos. Igual a preocupação.

E ainda assim, mesmo com as adversidades, todos os anos elas florescem.


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A sala de aula estava bem cheia. Fran nunca entendeu o motivo dos colegas para chegarem cedo à aula. Ela entrou de cabeça baixa, passando por conhecidos de longa data que não a perceberam ali, distraídos com suas conversas matinais. Ela sentou em uma cadeira no fundo da sala, em um canto isolado. Colocou os fones de ouvido, Simon & Garfunkel tocando sem parar a três meses. A mesma playlist de novo e de novo e de novo. Puxou o capuz do moletom para frente o máximo que podia, cruzou os braços em cima da carteira e abaixou a cabeça neles. Ela podia ouvir a sala se encher ao seu redor, mas ninguém a incomodou. O professor chegou em seguida, e Francielly percebeu a voz dele longe. Ela não estava realmente interessada em reprodução das briófitas. Ela não estava interessada em nada.

Seu único interesse era desaparecer. Não morrer, apenas desaparecer, como os fantasmas. Como alguém que é esquecido.

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Na escuridão não existem cores. Na escuridão não existem formas. Na escuridão não existe luz alguma. Às vezes existe música, mas as letras são sempre sobre a própria escuridão.


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O chacoalhar constante foi o que a acordou. Não a saída do professor, nem o barulho dos colegas levantando, nem ele chamando seu nome. Apenas o toque constante e calmo de Rafael. Ela levantou a cabeça e viu primeiro os olhos. Aqueles olhos profundos e leves. Rafa e seus olhos leves. Daria para ficar firme os olhando sempre. Qualquer pessoa ganharia uma brincadeira de quem pisca primeiro com o garoto porque é impossível querer piscar olhando aqueles olhos.

Depois Fran viu o sorriso. Ela sabia que ele nunca tinha usado aparelho. Ela sabia porquê conhecia ele desde que eram pequenos. Ainda assim, era um sorriso bonito. Os dentes não eram perfeitos, nem tão brancos, mas eram os mais bonitos do mundo pra ela. Francielly sentiu como se não merecesse aquela visão.

- Que bom que você veio, eu não aguentava mais não te ver. – Rafa abriu mais ainda seu sorriso. Deu um beijo na bochecha dela.

Fran se endireitou na cadeira e deu um sorriso fraco. Tirou o capuz e limpou a boca, que parecia estar suja de sono. Esfregou os olhos e olhou em volta. Rafa não estava sozinho. Atrás dele as meninas a observavam curiosas. Todas sorriam. Ana Claudia era a única que apenas olhava, um sorriso fraco. Nunca foi muito boa em mostrar emoções, aquela ali. Mayara deu um empurrão de leve em Rafa para ele sair da frente e abaixou para abraçar Fran forte.

- Você tá doida de ficar tanto tempo assim sem vir? Quase morri sem você pra me passar cola nos testes do Rubão! – Maya sempre falava sem pensar. Sua boca era mais rápida que seu cérebro. Fran gostava muito disso nela. A fazia ser sincera.

Carolina saiu de trás de Rafa e pôs as mãos nos ombros de Francielly. Olhou nos olhos da amiga e respirou fundo.

- Cara, eu sei que cê tá com depressão, mas puta merda, Fran, cê faz falta. A Ana e a Maya tem personalidades totalmente opostas, cê sabe como foi difícil ter que ficar no meio dessas duas o tempo todo, cara? Eu não fui feita pra isso. Não fui. Eu preciso de você! Nunca mais me deixe! – Ela abraçou a amiga. Carol, sempre dramática.

- Não é bem assim que funciona, Ca... – Fran tirou as mãos da amiga de seus ombros e deu um sorrisinho de chacota.

- Tá melhor já? Tem certeza que... – Ana se conteve, os braços cruzados na frente do peito, olhando para Fran diretamente, mas sempre de longe. Sim, ela era mesmo o oposto de Maya. Pensava até demais para falar, nunca tocava ninguém sem permissão. Calculista. "Fria". Fran nunca falaria em voz alta, mas Ana era sua amiga preferida, aquele tipo de amizade telepática em que as duas se comunicavam pelo olhar.

- Não. – Fran deu de ombros. – Não sei se estou melhor, mas tenho que voltar, segundo a minha mãe. E a Sílvia.

Sílvia, a coordenadora pedagógica. A terapeuta que resolveu trabalhar numa escola. Insistente que Fran conversasse com ela sobre tudo, mesmo sabendo que a garota já tinha uma excelente psicóloga.

- Eles falaram que se você perder mais aula pode repetir de ano... – Rafa apontou de onde estava, sentado encima de uma carteira.

Fran apenas confirmou com a cabeça, pois não havia nenhuma resposta ou comentário a ser feito sobre isso.

- A gente vai comer. Quer vir? – Ana perguntou, dando um impulso ao mesmo tempo que descruzava os braços. Foi até a porta da sala. As outras garotas a seguiram.

Francielly olhou as amigas e o namorado saindo pela porta. Ana era a última da fila, mas antes de sair olhou para trás. Fez um movimento com a cabeça apressando Fran, indicando o corredor. Francielly deu de ombros e levantou da cadeira. Ana virou para sair, sorrindo disfarçadamente para que Fran não percebesse. Era bom ter a amiga de volta.

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Nossos 12 mesesOnde histórias criam vida. Descubra agora