Des(a)gosto - Parte 3

1.3K 231 33
                                    

— Luísa, - Respondi a adolescente chorosa que conversava comigo no telefone – infelizmente eu não tenho como dizer quando esses documentos vão chegar pois não são feitos pela nossa empresa. – Ouvi-a se desesperando mais um pouco quando Rodolfo chegou perto do nosso setor com uma cara horrível de "lá vem merda". – Fica calma, ok? Em nenhum dos intercâmbios que eu já organizei aconteceu de chegar o dia da viagem e ter algo faltando! Você confia em mim?

Rodolfo moveu os lábios para perguntar se eu não podia pausar a ligação só um pouquinho. Torci o nariz, mas vi que todo mundo estava tão ocupado quanto eu e que estavam parando também.

—Eu entendo o seu nervosismo, no seu lugar estaria assim também! Luísa, o meu chefe – Não, Rodolfo não é o meu chefe, mas essa palavra dá mais credibilidade para eu pedir o que eu quero – quer falar alguma coisa para mim, você se importa se eu deixar a chamada em espera só um pouquinho? Pode ser algo sobre você!

Mentirinhas inocentes às vezes são necessárias para conseguir deixar um adolescente esperando.

Tirei o fone do ouvido e sinalizei com a cabeça para indicar que eu estava livre.

— Os pais da Bárbara Soares e ela estão lá embaixo e não parecem estar nem um pouco felizes. Disseram que mandaram a filha para o estado errado.

Só joguei a cabeça para trás e respirei fundo. Vi que os meus três colegas também estavam bem tensos. Já era quase hora de ir embora, eles não podiam reclamar disso amanhã cedo não?

Aí estava mais uma coisa fora do nosso alcance: quem escolhe a escola e a host family é a organização responsável do país, não nós. Mas como explicar isso para os pais?

— Ela pediu Califórnia e a mandaram para o Arizona. – Pedro consultou, já estressado. – A maneira mais rápida de resolver isso é alguém entrar em contato com eles enquanto outra pessoa desce para acalmar os pais.

— Eu estou resolvendo documentação, posso descer ou ligar se alguém fizer por mim. – Ana Júlia, a outra colega do meu setor, disse.

Ao ver a cara de ocupados dos outros dois, resolvi me prontificar.

— Eu ligo. – Falei – Só me dá uns cinco minutos para resolver a ligação que está na linha.

João Lucas fez uma cara meio triste e eu quis me atirar da janela. O encontro. Ai meu Deus.

Mesmo que ele tivesse tarefas extras, eu sairia muito depois dele. Muito mesmo, eu ia perder pelo menos mais uma hora resolvendo isso.

Uma hora sendo bem otimista.

E foi assim, crianças, que eu não sai com um cara que não é o seu pai.

Afinal eu não sei se ele teria ou não chances de ser pai de vocês porque simplesmente não saímos.

*****

Será que o chefe liga se você pegar a cadeira dele? Você precisa de um lugar confortável, já que vai dormir aí.

Ri tão alto da mensagem do João Lucas que até atendi de bom humor quando, após longos dezoito minutos, finalmente recebi a ligação da agente responsável pela Califórnia.

Acha que dezoito minutos é pouco? Tente esperar esse tempo por uma ligação quando está presa no trabalho por uma hora e trinta e dois minutos a mais do que deveria e não estava nem longe de terminar aquilo.

Bárbara, minha querida, por que o seu pai tinha que viajar a trabalho logo amanhã e quer a resposta antes de sair daqui do Rio?

Comecei a girar na cadeira para matar o tédio enquanto ela falava a mesma baboseira que já me disseram antes para dizer que eu não ligava e que eu provavelmente seria linchada se essa menina não pudesse tirar selfies matinais com California Gurls da Katy Perry na legenda.

Só que eu diria de um modo profissional, é claro.

Em uma dessas voltas que eu dava enquanto começava a minha ótima argumentação, vi pela porta de vidro que alguém estava vindo para cá com uma caixa nos braços.

Eu quase exclamei "João Lucas!" logo que ele entrou. Por pouco. Fico imaginando o que a agente do outro lado da linha ia pensar de mim se eu o fizesse.

Ele sentou-se na cadeira ao meu lado, colocou a caixa na mesa e só ficou me olhando, sem dizer nada. Tentei ao máximo prestar atenção na ligação e não no frio que vinha na minha barriga por causa daqueles olhos puxadinhos encarando os meus.

— Ela disse que me retorna logo que conseguir algo. – Falei, deixando o fone na mesa – Acha que dá tempo de assistir um episódio de Game Of Thrones durante a espera?

João Lucas riu, abrindo a caixa.

—Se duvidar dá até para assistir Senhor dos Anéis. Versão estendida. – Ah, esse homem é tudo o que eu pedi pra Deus – Por isso eu achei que você mais do que merecia isso aqui.

E ele tirou caixinhas de comida com uma logo que eu conhecia bem.

Pub do Brownie.

— Você trouxe... pra mim?

— Se Liana não vai até o jantar comigo, eu e o jantar vamos até Liana. – Ele desviou o olhar, um pouco tímido – Como eu não conhecia as comidas, pedi indicação para uma garçonete chamada... Lontrinha? É isso mesmo?

Assenti, olhando o cardápio. Onion rings, batata rostie e quatro brownies com sabores diferentes. Lontra, eu escolhi te amar.

— Você trouxe o com creme de limão! É um dos meus favoritos. – Eu o abracei, quase caindo da cadeira de rodinhas.

Nós começamos a rir juntos, perto demais um do outro. Com os rostos perto demais.

Foi inevitável.

Nossos 12 mesesOnde histórias criam vida. Descubra agora