Prólogo

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"Mais um dia como outro qualquer. Os primeiros raios de sol se exibiam adentrando a enorme janela aberta da cozinha, amenizando o clima sombrio que todos aqueles móveis escuros davam ao local. Ao centro, uma mesa enorme redonda repleta por todos os tipos de pães, frutas, iogurtes e geleias cuidadosamente preparados por três mulheres que ali viviam. Aos seus vinte e poucos anos de idade, muito bem vestidas e adornadas pelas melhores joias, conversavam animadamente enquanto terminavam de colocar as xícaras sobre a mesa.

Somente duas.

Ema e Luna não se importavam com o fato de não se sentarem à mesa com seu mestre, tomavam a atitude como sinal de respeito, admiração e, acima de tudo, gratidão por tê-las zelado e acolhido em sua casa. Eram capazes de fazer tudo o que lhes fosse ordenado e, não que competissem entre si pela preferência, mas esforçavam-se ao máximo para satisfazê-lo da melhor maneira. Não queriam ter o contrato cancelado; por isso seguiam à risca os limites impostos – e às vezes ultrapassavam os seus próprios se assim fosse solicitado.

Além de toda necessidade em se fazerem úteis, mais um desejo tomava conta de ambas. Queriam se distanciar ao máximo do comportamento de Donna. A única de cabelos longos dourados teimava em desrespeitá-lo. Talvez se julgasse mais importante, pelo laço indesatável que tinha com o mestre; mas as outras previam, se alguém um dia precisasse deixar a casa, seria ela.

A conversa cessou dando lugar ao silêncio total assim que Donald e seu filho chegaram ao local.

- Bom dia – Disse tranquilo, enquanto se acomodava à mesa junto do garoto que permaneceu quieto.

- Bom dia, mestre. – Responderam as três em uníssono. Ema apressou-se em servi-lo café, enquanto Luna encarregava-se de Gerard.

Treze anos; bonito e esperto demais para sua idade. Sereno e observador, os olhos esverdeados sempre atentos captando tudo ao seu redor com o máximo de cuidado e, no rosto, um simples sorriso quase imperceptível nos lábios. O pai desconfiava o que a expressão peculiar no rosto do filho significava: Gerard entendia as coisas rápido demais. Sequer havia passado pela fase dos questionamentos, um alívio para Donald ainda que temesse por interpretações equivocadas.

Não queria que o garoto ficasse alheio ao seu estilo de vida, sabia que podia lidar muito bem com a situação; mas, por ser novo demais, todos amenizavam suas atitudes e reações ante sua presença.

- Pai, tenho um trabalho para fazer hoje depois da escola. – Sua voz infantil quebrou o silêncio instalado. – Posso ir na casa do Ray?

A loira até então alheia ao que se passava, virou-se de repente fitando de maneira aflita o homem bem à sua frente. As outras duas pararam o que faziam para prestar atenção no que acontecia; Gerard avaliava tudo, podia sentir emanar certo descontentamento por parte de ambas.

- Raymond Toro? – Indagou Donald lançando um olhar frio à mulher que suspirou voltando ao que fazia antes junto das outras. Gerard acenou com a cabeça afirmativamente concentrando-se em sua bebida.

- Tudo bem.

Ante a afirmativa Donna pronunciou-se:

- Não é uma boa ideia, mestre. – Disse, cabisbaixa, ainda de costas. Sabia que havia sido ousada em desafiá-lo à frente do filho. Este, por sua vez, sentado a analisava em todos os mais diferentes aspectos, principalmente em como fazia questão de se portar da maneira que seu pai menos tolerava.

O constrangimento de ser repreendida na frente das outras duas não causava em si o efeito esperado na maioria dos humanos. Ela gostava. Talvez não fosse nítido para quem visse de fora, mas Gerard podia quase sentir os hormônios percorrendo a corrente sanguínea, cada poro da pele clamando por uma maior reação de Donald.

Pelo castigo merecido.

- Posso saber por que? – O homem semicerrou os olhos voltando a xícara ao pires com delicadeza. A irritação era perceptível na voz, ainda que não estivesse de maneira alguma alterada. – Donna, olhe para mim quando estou falando com você.

- Gerard entrando em outras casas, sabe que somos... – Parou o que dizia enfim virando-se para focar-se diretamente aos olhos que já estavam em si. A promessa de punição pelo atrevimento marcada pelo típico movimento com o maxilar; fazendo-a vacilar enquanto desviava o olhar. Outra ordem violada.

- Acha mesmo que ele não sabe? – Contestou Donald.

- Eu só... – Sussurrou.

Gerard inspirou fundo e então pronunciou-se interrompendo a fala com o intuito de encerrar a discussão despropositada e o flerte despudorado de seus pais. Há muito tempo vivenciava aquele tipo de situação sabia que não havia motivos reais para que a história se desenvolvesse.

- Não posso trazer ninguém aqui por causa de vocês. Não poderei ir também à casa dos meus amigos, mãe?

- Ouviu o garoto. – Donald sempre tinha a última palavra.

- Está certo, mestre.

O pai direcionou as íris ao filho assim que o silêncio voltou a imperar, seu olhar cúmplice arrancando de prontidão um sorriso divertido de Gerard que servia-se à mesa com naturalidade. Donald, de um jeito ou de outro, sempre fazia suas vontades e acreditava ser esse o motivo de sua alegria; o garoto sabia disso e preferia que pensasse assim. Mas não era tão simples. O pequeno Way interessava-se em cada comportamento, em cada cena que se desenrolava ali em sua casa.

Havia aprendido muito observando, somente absorvendo os detalhes e os transformando em informação.

Mais do que todos ali imaginavam, tinha plena consciência que nenhuma outra família era como a sua. E ia muito além do que simplesmente ter conhecimento do relacionamento de seu pai com três mulheres; essa era a menor das estranhezas. O que sabia era mais sobre seus comportamentos e reações (o que pensavam passar despercebido) e muito mais sobre aquele adereço peculiar que cada uma possuía envolta do pescoço.

Aquilo o fazia querer ir mais adiante. Continuar desvendando por conta própria o que não lhe contariam mesmo se perguntasse. Era por isso que mantinha consigo a cópia daquela chave que seu pai havia deixado cair. Sabia bem de onde ela pertencia. A porta isolada no fim do corredor do último andar, a que por muitos anos esteve envolvida por uma aura de mistério, graças à sua imaginação de criança, fantasiada e também temida.

Em breve não haveria mais motivos para especulações; na verdade, só precisava de uma confirmação, já tinha quase certeza do que encontraria. E, se estivesse certo, queria ver de perto.

Way sorria. Sorria porque finalmente saciaria de vez toda sua curiosidade. E seu pai lhe devolvia o sorriso vendo nas íris esverdeadas do filho uma verdade incontestável.

Eram iguais."

In The Dark || FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora