Capítulo 2

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Todas aquelas paisagens estranhas a seus olhos eram, no fundo, reconfortantes. O incômodo causado por estar em um lugar diferente parecia vindo dos céus, pois amenizava todos os sentimentos brutais que ousavam lhe trazer recordações. As cenas. As malditas cenas que insistiam em rondar sua mente assim que o efeito dos entorpecentes lhe abandonava.

Cada passo que dava sentia-se rastejando, a vergonha apoiada sobre si, o impedindo de se mover; sem forças, sem vontade de levantar. Mas por fora, estava ali, de pé fazendo um esforço descomunal para que o descaso representado fosse o suficientemente convincente. Se acreditassem que não se importava com o que havia feito e com sua fuga covarde, a mentira se tornaria verdade.

E, talvez então, de tanto atuar pudesse, de fato, se sentir indiferente.

Mas também havia um novo sabor, um que nunca havia provado antes.

Aquela cidade não só garantia sua segurança, ela lhe dava mais. Anonimato. Não lhe trazia recordações, não havia julgamentos, imagens pré-concebidas, tampouco expectativas. Era como se sua vida fosse um livro em branco, ali poderia recomeçar.

Ali não era ninguém.


*

Assim que o taxi virou a pequena rua, pôde avistar a casa amarela a qual Diana lhe falara mais cedo. Os sons da cidade lhe invadiam os ouvidos sem qualquer permissão, assim como o ar ligeiramente mais pesado que adentrava seus pulmões. Pagou o motorista e desceu do carro segurando sua modesta mala entre os dedos.

Permaneceu alguns segundos parado em frente à casa onde moraria dali em diante, passou as mãos pelo rosto e meneou a cabeça em negação. Ignorou o sentimento repressor e deixou que os olhos vagassem pelo local antes de avançar em direção à porta.

Foi então que o viu fitando lhe ali, logo ao lado, não pareceu sequer constrangido em ser pego no ato; Iero, ante a postura do outro, sentiu-se a vontade para encará-lo e recebeu um sorriso como resposta. Era uns dez anos mais velho que si, talvez um pouco mais, e um bocado insolente em sua opinião.

Não lhe daria confiança se era isso que queria; desviou os olhos e quando fez menção a avançar em direção à porta, a mesma se abriu com um pequeno ruído.

- Está muito atrasado! – Exclamou de maneira exagerada, enquanto dava passos agitados em direção ao amigo – Eu estava tão preocupada, eu... – Abraçou-lhe, enfim suspirando aliviada. – Por que demorou tanto?

Iero deu de ombros mais interessado na análise minuciosa que fazia de sua amiga. Demorou o olhar sob suas feições, roupas, cabelo em nada se assemelhavam à garota que havia conhecido; não fisicamente. A cor acobreada dos fios de seus cabelos havia dado lugar à uma tonalidade escura, quase preta, e o comprimento que antes cobria parte de suas costas estava agora à altura dos ombros. Tinha a pele marcada por desenhos coloridos em ambos braços – iguais aos seus – e usava uma saia xadrez com um colete vermelho por cima da camisa branca.

- Frank? – Chamou-lhe a atenção.

- Como pode ver, estou vivo, não há motivos para se preocupar. Ninguém tentou, ou melhor, conseguiu me matar ainda. – Soltou um riso sarcástico enquanto era puxado pelo jardim até a porta; o vizinho continuava observando a cena, Diana o encarou seriamente antes responder o comentário.

- Vou fingir que não está tirando uma com a minha cara, senão vou ser obrigada expulsar você daqui de casa também.

- Para a sua informação, eu não fui expulso da outra faculdade... Eu fui convidado à me retirar. – Falou sério como se realmente acreditasse na diferença.

A casa por dentro era mais ampla do que aparentava vista de fora; os móveis brancos contribuíam em conjunto com as grandes janelas presentes na sala para um ambiente bem iluminado. Veridiana assim que entrou, se jogou no sofá encarando o amigo com uma expressão divertida

In The Dark || FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora