Capítulo 2

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Adam

Uma segunda-feira de novembro, Londres

O fato é que eu não estava minimamente inclinado a fazer aquela ligação para o presidente eleito do Brasil. Mas um primeiro-ministro tem alguns deveres diplomáticos a cumprir e um deles é cumprimentar vencedores de eleições de alguns países estratégicos. O fato de que o vencedor, neste caso, fosse uma mulher atenuou um pouco minha contrariedade, apenas pela perspectiva de mulheres, geralmente, serem almas bem mais agradáveis de se conversar do que determinados homo politicus que habitam a fauna inglesa. O fato da dita mulher, a tal nova presidente do Brasil, ser considerada uma beleza - após ver uma foto dela na capa de um jornal, passei a concordar plenamente com tal afirmação - pode ter sido o empurrão que minha motivação precisava.

- A senhorita Carvalho o aguarda na linha, senhor. - minha secretaria anunciou com um tom monótono antes de transferir a ligação.

- Senhorita Carvalho, aqui é Adam Crawford, primeiro-ministro do Reino Unido - me apresentei com o tom mais cordial que podia.

- Senhor primeiro-ministro - a voz que me respondeu em inglês cadenciado estava rouca, mas demonstrava sinais de simpatia. - Fiquei surpresa com sua ligação. Afinal, pelo que me consta, deve ser consideravelmente cedo em Londres. - aquele comentário fugia ao protocolo, era cordial, mas escapava das frases padrão usadas em tais ocasiões diplomáticas.

- Acredito que sejam exatamente seis e meia da manhã, senhorita Crawford, mas fique descansada. Tive um par de horas de sono. - reagi com humor incomum para ocasião. Mas, como certo afrouxamento das regras foi acenado pela presidente, me permitir ousar na conversa, sem ultrapassar qualquer limite. - Logo a senhorita vai entender que chefes de governo são seres que não merecem dormir.

Pude claramente ouvir um som do riso dela e não parecia algo forçado. Cansado, talvez, mas não automático e, definitivamente, aquilo contrariava todo e qualquer protocolo de diplomacia.

- Sinto dizer que ainda nem assumi e já estou ciente disso, senhor Crawford. - a voz de Amélia Carvalho sorria e aquilo fez com que eu relaxasse um pouco na cadeira, ignorando solenemente o olhar sisudo do quadro de Lady Thatcher na parede a minha frente. - Não lembro quando foi a última vez que dormi.

- Sinto ouvir isso, minha cara. - lamentei com um suspiro. - Se me permite o conselho, tire uns dias para descanso antes de assumir. Fui informado de que a posse é apenas em janeiro.

- Sim. Minha mãe se adiantou ao seu conselho e me informou que serei despachada para Londres em duas semanas. - resmungou como uma filha aborrecida com o poder materno contrariando qualquer vontade sua. - Nem o fato de eu ter sido eleita presidente impede minha mãe de mandar.

Foi minha vez de rir. Estávamos totalmente fora do ambiente político e, para ser sincero, estava pouco me importando com isso. Aquela era uma interlocutora que parecia exercer um poder de deixar confortável quem envolvia em sua conversa.

- Bem, diga a sua mãe que a cumprimentei pela sagacidade. - comentei sorrindo. - Temo que fugimos um pouco do tema dessa ligação. Me perdoe, senhorita.

- Senhor Crawford, sou tão culpada por isso quanto o senhor supõe ser. - foi a resposta que ouvi. A mulher parecia ser prática ao resolver a questão da culpa sem poupar um ou outro lado, demonstrando jogo de cintura.

- Então, ficamos acertados assim - decretei, cimentando a questão. - O Reino Unido, e eu pessoalmente, a parabenizamos pela vitória nas eleições. Desejo com sinceridade que nossos países mantenham a mesma cordialidade desta ligação.

- No que depender de minha vontade, caro senhor, iremos melhorar essa amizade que andou um tanto unilateral nos últimos anos. - com tato de quem move uma peça delicada, ela se aproveitou para criticar a relação entre nossos países.

A diplomacia do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora