Capítulo 1

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Adam

Uma noite de maio, Londres

O silêncio sempre foi um bom amigo para mim. Talvez seja mal de quem sempre foi a única criança em uma grande casa senhorial e pouco apreciou grandes ruídos. Se formos colocar alguma luz na afirmação que fiz, é possível perceber que é incongruente: apreciar com ardor o silêncio não combina com trabalhar no lugar mais barulhento da Inglaterra, que, ao contrário do que muitos pensam, não é o porto de Southampton, mas o Parlamento. É possível aumentar o nível de estranheza do fato quando se revela que o dito cujo, no caso eu, está na reta final de uma campanha eleitoral que, se exitosa, vai o tornar não apenas o Membro do Parlamento pelo Condado de Carlisle, mas o Primeiro-Ministro do Reino Unido.

Era de se esperar que eu fosse querer mergulhar nos braços do povo em ensandecido momento de glória como aqueles roqueiros faziam nos anos dourados. Porém, naquele momento crucial, achei adequado aguardar os resultados das eleições na santa paz da minha casa, deixando para John toda a excitação do comitê central. Seria os quarenta anos pesando em meus ombros?, uma parte irônica de minha mente sussurrou essa maldita pergunta e eu solenemente a ignorei, afinal, tinha coisas mais sérias e graves para pensar do que o avanço cruel do tempo.

Se bem me recordo, era uma noite de clima indeciso como todos os dias de maio o são nesta terra: nem quentes como os verões indianos, nem frios como os invernos escoceses. Todavia, aquela residência anciã - onde tantos Crawford viveram ao longo da vida - sempre foi fria como uma caverna, portanto, não era estranho que um fogo amigo crepitasse baixo na lareira do gabinete e que o sistema de aquecimento funcionasse a todo vapor, garantindo uma temperatura agradável.

Quando se mora em Londres, é bem sabido que pode haver silêncio dentro de um determinado prédio ou ambiente, mas nunca fora. A cidade sempre pulsa e se ilumina independente do horário. Naquela noite, decidiram transferir o pulsar da cidade para a entrada de minha residência na forma de cânticos patrióticos de um grupo histérico de corregilionários que tiveram a ideia "brilhante" de fazer vigília diante da minha casa. Uma atitude bem inglesa, aliás, além das filas, do chá e da ironia.

Observava a movimentação da janela do gabinete enquanto divagava tentando analisar os fatores que levavam as pessoas a fazerem aquilo. Não que não aprecie demonstrações de apoio, mas aquela era incomoda. Uma festa com dimensões bacanais havia sido organizada no comitê com música, comida e bebida. Por que aquelas pobres almas estavam ali? Por que se dignavam a atrair atenção para aquele local pacato? Que a imprensa estivesse ali não me surpreendia, eles sempre estão em todos os lugares desde que me tornei líder do partido há três anos, mas eu não esperava que as pessoas se reunissem na porta de Crawford Hall.

Um pensamento se seguiu ao outro até alcançar as lembranças dos momentos que haviam me guiado até aquele momento crucial. Afinal, não se nasce querendo ser primeiro-ministro ou político. Esta é uma ideia que vai sendo construída ao longo da vida, ao menos comigo foi assim. Mesmo com um avô como sir Henry Crawford, quem sempre insistiu para que eu seguisse os seus passos na política, foi preciso alguma vontade própria para chegar ao topo do Everest político e isto só ficou muito claro para mim quando entrei para a faculdade e tive em contato com um mundo mais diverso do que a pequena roda aristocrática que gravitava em torno de meus avós.

Friamente falando, ser um Crawford facilitou a jornada. Um sobrenome do século XV na Inglaterra do século XXI ainda serve para convencer algumas pessoas. Apesar disso, não usei isso de muletas. Para vingar neste meio, foi preciso, com o perdão da expressão, ter colhões e garanto que os tenho suficiente como provei durante nos últimos anos. O fato é que a carreira seguramente decente dentro do mundo político, dentre outras coisas, me habilitava para liderar o país como seu primeiro-ministro. O que esperava, dentro daquele gabinete, era que os eleitores ingleses achassem o mesmo e elegessem candidatos conservadores em cada um dos condados do país. Com a maioria dos Membros do Parlamento conservadores, seria o primeiro-ministro. Sem a maioria, continuaria como líder da oposição.

A diplomacia do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora