Capítulo 4

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Adam

Londres, 10 de fevereiro

Era preciso esclarecer uma ou duas coisas sobre aquele beijo. Não havia reação expressa no rosto de Amélia quando colocamos um ponto final naquilo. Apenas o desejo de uma boa viagem e um adeus dito em voz baixa, quase num sussurro. Essa falta de reação me deixou incomodado, confesso. Não queria nada arrebatado, mas um pequeno sorriso já teria me deixado satisfeito, para não dizer calmo. Afinal, beijar uma chefe de Estado poderia desencadear algumas coisas como guerras, sanções diplomáticas. Por isso, tomei a decisão de me comunicar com ela.

Para esclarecer um ou dois leigos, é preciso dizer que chefes de governo não se falam por redes sociais, nem por mensagem de texto. Há um intrincada série de regras e leis protocolares que regem essas relações e foi por isso que demorei arranjar um meio seguro para falar com ela, sem que aquela mensagem caísse em mãos erradas. Um email com os seguintes termos foi despachado de um servidor seguro e com toda esperança de não ficar sem resposta:

"Amélia,

Sinto que não conversamos direito sobre o que aconteceu no começo do mês passado, mas é importante que você saiba que eu gostei muito do que se passou. Sua reação ainda me é um mistério e seu silêncio, intrigante. Será que meu pequeno ato de despedida me desabonou aos seus olhos?

Se a resposta for afirmativa, peço que me perdoe pelo atrevimento de minha ação, que foi certamente impetuosa. Se for negativa, fico satisfeito. Mas sou sincero em dizer que eu não me envergonho do que fiz. Pelo contrário, gostei muito da pequena aventura a qual me propus.

Queria dizer que, sem medo de ser brega ou piegas, que sinto falta de conversar com você. Por isso, estou me propondo a abrir esse diálogo por canal seguro apenas para aquelas amenidades que tanto falamos. Vez ou outra, provavelmente vamos tender a falar do trabalho, mas nada que afete o desempenho das nossas respectivas funções.

Espero que estejamos bem,

A.C"




Amélia

Brasília, 20 de fevereiro

Tenho alguns motivos para não ter respondido tão rapidamente ao email de Adam. Todos, talvez, são tolos, exceto o que diz respeito a um ligeiro sentimento de confusão com relação ao beijo. Uma mulher de quase quarenta anos não poderia estar tão hesitante, mas lá estava eu carregando interrogações no estômago enquanto trabalhava muito - outro motivo para a demora.

A resposta, que iniciou aquele fluxo intenso de comunicação entre Adam e eu, foi digitada na privacidade de meu quarto numa noite sem lua no Palácio da Alvorada. Durante o dia, havia sentindo falta da presença firme de Adam e talvez fora isso que me fez responder.

"Adam,

Não conversamos direto sobre o que se passou, mas há o que conversar? Precisamos filosofar por um ato já ocorrido? Sejamos práticos! Aconteceu, ambos gostamos e agora há um oceano e pilhas e pilhas de ofícios e outros documentos esperando por nosso aval. The show must to go on.

Meu silêncio se deu por conta de inúmeras reuniões que tenho que atender junto aos meus pares. Imaginei que você, chefe de governo como eu, certamente saberia a agenda apertada dos primeiros dias. E como já disse mais acima, talvez de maneira implícita, eu gostei sim. Apenas sinto pena de que não posso me gabar do que aconteceu. Seria divertido e delicioso, devo dizer. E bem, é muito satisfatório saber que você também apreciou aquele breve instante subversivo e ao mesmo tempo de inocência ímpar que tivemos.

A diplomacia do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora