PRÓLOGO

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Daniel Rincón não costuma pensar.

Não porque é burro ou nada assim. É só porque ele não gosta da ideia de parar e pensar. Ele faz.

Sempre fez tudo, e de preferência sozinho – sem a ajuda de ninguém para tomar decisões.

Quando tinha sete anos, decidiu que não gostava apenas de brincar com os carrinhos, e abriu um por um, só para ver como funcionava a mecânica por dentro dos brinquedos – assim como os controles remoto de carrinhos mais avançados (Daniel era fascinado por eles). E, também aos sete anos (a idade em que sua mãe realmente percebeu que o filho nunca faria nada na vida de forma convencional), Daniel conseguiu desparafusar as cadeiras de madeira da cozinha dos pais e desmontar os móveis, só para montar novamente e ver como aquilo era construído (durou um dia, mas ele fez). Tudo sozinho, sem chamar a ajuda do irmão ou do pai (que realmente trabalhava com móveis).

Quando decidiu ir para a faculdade, Daniel não colocou muito pensamento em uma das maiores decisões da sua vida – na verdade, ele não encarava como sendo uma decisão tão importante assim – ele só escolheu como se fosse a primeira opção que apareceu em sua frente. Um curso que nada tinha a ver com o que ele queria fazer, só algo que estava ali e precisava ser feito.

E, mesmo contra a logística, Daniel concluiu o curso, e se sentiu feliz com isso. Não porque tinha se graduado, mas porque ter feito o curso de Tradução e Interpretação lhe trouxe algo maior do que o diploma: Eliana.

Eliana e Dan se conheceram entre aulas, entre olhares e entre palavras, mas ironicamente, demoraram mais de dois meses para sequer trocar uma frase completa um com o outro. E esses dois meses foram compensados em todos os oito anos de relacionamento que vieram – os dois nunca calavam a boca. Engatavam conversas sobre o universo, a banalidade da rotina, o dia-a-dia, e ocasionalmente conversas sobre o dia-a-dia de outras pessoas. Conversavam sobre programas de TV de baixa qualidade, livros de altíssima qualidade e filmes indicados ao Oscar (Eliana adorava, Daniel quase sempre dormia). Falavam sobre os trabalhos, falavam sobre no que queriam trabalhar se um não fosse marceneiro e a outra não fosse tradutora de livros em um grupo editorial. Daniel sonhava em ser astronauta, Eliana queria ser apresentadora de Talk Show sensacionalista – só pela diversão.

É. Eles nunca se calavam.

Por isso, quando Daniel abriu a porta aquele dia e viu Eliana com a cara fechada – não emburrada, apenas fechada, como se estivesse segurando algo muito importante – ele estranhou um pouco. Só um pouco.

Aí, quando ele entrou, suspirou, começou a contar como foi o dia no trabalho – aquela porta do guarda-roupas que não queria de forma alguma ficar no lugar estava começando a tirá-lo do sério, se sentou ao lado dela e não parou de falar por três minutos, ele percebeu que ela não abriu a boca. Sequer se mexeu.

Então, sim, ele estranhou bastante.

Juntando a cara fechada e a falta de palavras, Daniel procurou outros sinais e viu que Eliana entrelaçava os dedos das mãos e os segurava forte.

Tinha alguma coisa errada.

Ele se inclinou e chegou mais perto. Perguntou o que tinha acontecido, ela não respondeu. Arrumou o cabelo dela atrás da orelha, ela virou o rosto para o lado. Ele se aproximou do rosto dela para beijar-lhe a testa... ela abaixou a cabeça.

— O que foi, Nina?

Ele a chamou pelo apelido que só ele usava desde o dia em que começaram a se falar, e Eliana apertou os olhos. Não sabia porquê, mas por cinco segundos, ele sentiu o coração quebrar-se em um milhão de pequenos pedaços impossíveis de serem reestruturados.

Mais alguns minutos foram embora. Daniel, engolindo a vontade de bombardeá-la com perguntas, se conteve e só observou os poucos movimentos da namorada até que ela sussurrou algo que – ele imaginou – nem ela pôde ouvir, de tão baixo. Aí, com a coragem solta, disparou:

— Quero terminar com você. Quer dizer, a gente precisa terminar. Tudo. Eu dormi com outra pessoa. Mais de uma vez. Eu sei, não devia. Claro que eu sei disso, mas eu dormi mesmo assim. Não sei porquê. Você precisa se mudar, também. Eu não vou morar com outra pessoa, nem nada assim, mas eu não quero mais. Não quero mais.

Daniel não disse nada enquanto Eliana confessava todas essas coisas, mas com o "não quero mais" duplo, ele teve que perguntar:

— Não quer mais o quê?

— Você. — Soltou ela, quase sem querer.

Daniel não conseguia pensar. Ficou olhando para ela, os segundos se passando ora lentamente, ora como se dois dias coubessem dentro daquele único minuto.

— Quer dizer, Dan... eu não quero mais estar com uma pessoa que eu não... ah. Eu não amo mais. Eu só queria poder pensar um pouquinho, dar um tempo.

— Não. — Ele disse, firme.

— Não? — Eliana perguntou, genuinamente curiosa.

— Não me venha com... tempo. Você sempre disse que tempo é o que acontece quando as pessoas não têm coragem de terminar de uma só vez.

Outro silêncio engoliu a sala.

Daniel não sabia se preferia os momentos de silêncio angustiante – ele nunca gostava dos silêncios – ou se ele preferia os momentos em que ela estava falando. Ele adorava ouvi-la falar, mas nada do que ela disse desde que ele chegara o deixou com aquela sensação quente de estar ouvindo a coisa certa. Não parecia certo.

Ele só sabia que ela estava lá ainda pois sua respiração estava inquieta, acelerada, totalmente desregular.

Ah, é justo, Daniel pensou, ela acabou de atirar em meu peito três vezes, tem que estar mesmo cheia de adrenalina.

— Eu ainda gosto de você. Você sempre foi meu melhor amigo, Daniel. — Ela começou a falar novamente, e cada palavra era como se ele tivesse sido empurrado de uma ladeira e perdido o equilíbrio logo no topo da inclinação — Eu só não... amo mais você. Mas eu gosto de você, eu gosto de conversar com você. Nunca conversamos com ninguém do jeito que conversamos juntos, é tão bom... ter você. Eu só não sinto mais nada além disso, da sua amizade, e do carinho que eu tenho por você e...

— Cala a boca. Por favor, só... cala a boca.

A rispidez na voz dele fez Eliana recuar a cabeça para trás e obedecer. Ela fitou o chão como se uma obra de arte interessantíssima tivesse sido pintada ali.

Daniel estava tentando pensar. Sobre o que tinha acabado de ouvir, sobre todas as coisas que iriam acontecer dali em diante, sobre como Eliana tinha dormido com outra pessoa e nem sequer havia demostrado um sinal de fraqueza. De que alguma coisa havia mudado. Pelo amor de Deus, ela tinha se relacionado com alguém diferente, e todos os dias chegou em casa como se sua rotina tivesse sido a mesma monotonia de sempre.

Claramente, monotonia não fazia mais parte da vida dela.

Daniel sorriu, mas não foi um sorriso genuíno. Eliana fitou seu sorriso e soube disso imediatamente. Ele juntou as mãos, bateu os pés no chão, olhou para a (ex)namorada, e assentiu. Duas vezes.

— Você... precisa sair. — Outro sussurro quase inaudível. Quase. Mesmo se ele não tivesse ouvido, conseguiria ler os lábios dela, e aí ouviria em alto e bom som.

Daniel só olhou para ela, e parou de pensar.

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O Amor (nem sempre) Mora ao Lado (À Venda Na Amazon)Onde histórias criam vida. Descubra agora