- Lea, preciso te perguntar uma coisa.
Mal entrei na casa dela e fui desatando a falar. Sei que Harry me pediu para não abrir a boca e eu não pretendia fazer o contrário, mas eu lembro que ela disse que havia guardado o vídeo, para ver se achava alguma pista e eu só podia recorrer a ela.
- O que foi? Você parece nervosa.
- Eu preciso que você me mostre o vídeo. - respirei fundo. Eu odiava assistir aquilo.
- Eu... Olha, não quero desanimar mas não há nada lá ...
- Me mostra.
- Lana, acho melhor não...
- Agora Lea, me mostra. - aumentei a voz, já muito nervosa para controlar.
- Vou buscar o note. - ela saiu assustada, quase correndo.
Ela abriu o notebook e procurou o vídeo em uma pasta. Lea titubeou para clicar então eu mesma o fiz.
Só dava para ver pés calçados. Copos pelo chão e uma bagunça infinita no meu pequeno apartamento em Londres. E logo depois eu e aquele cara nojento, deitados na minha cama, entre risos dos presentes.
Lembrei que aquele cara me apagou na frente de casa, e depois acordei sozinha na cama. Não havia bagunça, nada. Eles não deixaram rastro. E naquele bendito dia eu contaria a Harry que estava grávida. Mas foi tarde demais.
Fui a polícia denunciar, mas eles riram na minha cara e pediram pra fazer exame toxicológico. Eu estava limpa, claro. Os policiais disseram que nós jovens éramos inconsequentes e que depois da gandaia ainda queríamos culpar os colegas.
Pus meu pendrive e copiei o arquivo.- Não tem nada aí. Eu e Lou e até os outros tentamos achar algo. Não dá pra distinguir nada Lana, sinto muito.
- Obrigado Lea, até mais.
Saí de sua casa apressada enquanto ela me dava um olhar piedoso.
Fui para um Book Coffee para analisar aquele vídeo. Ignorei as chamadas do Harry, só mandando uma mensagem para ele cuidar da Rara.
A imagem estava péssima e aqueles pés não davam pistas. Quatro xícaras de café depois e prestes a desistir, foi quando notei uma coisa. Um dos calçados era colorido demais e até então eu pensava que aquilo fazia parte do seu design. Mas não.
Aproximei a imagem e percebi que havia um desenho ali. Uma tatuagem, ao que parece. Eu já tinha visto alguma das meninas da escola com uma tatuagem no pé, semelhante aquele borrão. Em uma das vezes em que a tristeza me acompanhava e tudo que fazia era andar de cabeça baixa, encarando o chão, meus pés e pés alheios. Não era comum ter tatuagem, pois éramos menores de idade, mas sei que uma delas tinha.Precisava falar com Harry.
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- Onde você tava? Caramba eu...
- Harry, você lembra de uma garota que tinha uma tatuagem no pé, lá da Avalon?
- Puffzz... Até parece que vou lembrar.
Ele revirou os olhos e caminhou para a cozinha, pegando uma garrafa de suco e bebendo na própria.
- É importante. Eu acho que era uma garota que você ficava, lembra de alguma tatuagem?
O desespero dissipava minha calma e fazia o nervosismo se alastrar por meu corpo. Eu me sentia a ponto de desmaiar e só queria que ele me dissesse que lembrava.
- Lembro de uma, mas era no... - ele engoliu quase engasgando, largando o suco na bancada. - Não era no pé não.
Tosses fizeram seu rosto avermelhar, eu não tinha tempo pra isso.
- Droga, faz um esforço.
- Sei lá, de onde veio isso? E onde você estava?
- Essa menina aí da tatuagem sei lá onde, lembra o nome dela? - bati os pés feito criança, eu estava perto.
- Não. - ele pendeu a cabeça de lado, me olhando como se eu fosse doida.
- Mas se você ver você reconhece?
- Acho que sim. Escuta Lana, você tá me assustando. - ele se aproximou devagar, com as mãos pra cima, como se eu fosse um ladrão ou algo assim.
- Vamos olhar as fotos de formatura. - inquiri, indo para o meu quarto, onde ele me seguiu a passos rápidos.
- Sério? Eu tô escroto pra porra.
Harry estava só de calça de moletom, os cabelos ainda bagunçados e os olhos inchados de sono.
- Não brinca. - ri um pouco.
- Pode me explicar o que tá havendo?
Ele se ajoelhou ao meu lado, observando o notebook.
- Depois.
Acessei o site da escola e procurei pelos formandos de 2012. Haviam fotos do baile, poucas. Mas foquei nas do livro de formatura. Analisamos as meninas e Harry ficou pensativo.
- Sei o que você tá pensando. Que passou o rodo na escola toda e que agora tá foda. - tentei imitar sua voz rouca.
- Cara, agora me deu medo. - ele escondeu um riso.
- Previsível. Agora vai, põe teu cérebro pra funcionar.
Empurrei o note para ele, que analisava as meninas da nossa turma. Ele fez um sinal negativo e passou para a turma seguinte, e outra e outra... Eu estava quase tendo um piripaque quando ele apontou a foto de uma ruiva com piercing no nariz.
- Acho que... Hummm... Acho que era essa aqui. Jully Brenner. - apontou. - Relembrando que não era no pé. - enfatizou.
- Mas se ela tinha uma, a probabilidade de ter outra é maior. Ela não me é estranha...
Algo começou a se formar no meu cérebro. Um turbilhão de memórias embaralhadas. Rostos desfocados, risinhos de deboche, alguma briga... Festas de escola...
- Ok. - ele fechou o note. - O que tá havendo?
- Não pira tá, me deixa terminar antes de surtar. - sentei na cama.
Ele levantou e assumiu uma postura defensiva dificultando o processo.
- Eu peguei o... o vídeo e fui assistir.
Seus olhos dilataram junto com as narinas, um tom vermelho se apoderou de sua pele alva e veias saltaram do pescoço. Comecou a vestir a camisa e pegou a chave do carro.
- Hey, você nem me deixou terminar. - levantei atrás dele.
- Não vou ouvir. O que ainda quer com aquilo? Matar a saudade? - rosnou, vestindo a camisa do avesso mesmo.
Ele saiu do quarto em direção à sala, enquanto eu o seguia em desespero.
- Harry...
- Vai pro inferno!
Gritou, batendo a porta com um estrondo e sumindo do apartamento.
Tomei fôlego e me escorei na parede. Foda-se. Não vou correr atrás, não vou tentar explicar se ele não quer.
Não pro Inferno literal, mas pro meu Inferno pessoal. Londres.A filha pródiga vai retornar.
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PARA SEMPRE
Hayran KurguMarissa Meyer, tinha apenas dois anos de idade quando teve de ir morar na Europa com a tia, que a adotou após a morte do pai e abandono da mãe. Aos quase dezessete anos retornou ao Brasil, após ser humilhada e injustiçada publicamente na escola em...