Cap 19 Deslocado

26 2 0
                                    

Era estranha aquela sensação. Por mais que ele quisesse sentir algo significativo. Alguma emoção projetada. Nada adiantava. Ele estava frio sobre o que seus próprios olhos observavam.
Sua família enterrava dois filhos. Por mais que os polícias dissessem que eles estavam apenas desaparecidos, o relato da picada de cobra em Igor e o corpo de Pedro morto, era o bastante para aquela mãe não ter conforto em seu coração. Quanto mais ela procurava esperança, mais seu peito apertava em dor
Júlio, seu primogênito foi quem aconselhou a mãe a fazer um enterro. Ele acreditava que se ela estivesse preparada para o mais difícil, qualquer outra coisa era aproveitável. Uma defesa absoluta. Mas parecia que ninguém tinha explicado para Igor e Lucio. Aquela cena deixou seus corações em pedaços. Como podia sua família ter desistido deles? Sabiam que foram dados como desaparecidos e ele com grande risco de morte. Mas mesmo assim. Ninguém estaria lutando por eles?
Lucio era pura lágrimas, enquanto o irmão não deixou uma gota sair. Vedado. Impenetrável. Ele era o próprio inverno. Mas não estava confortável com isso
- Vamos embora irmão. Pelo que você pode ver, fomos enterrados. Não temos para onde voltar. Aposto que você não quer mais fugir, então vou te deixar livre. Tudo bem se quiser ficar mais e ver o desenrolar de tudo. Eu vou para casa. Tem algo que preciso ver.
Lucio era puro pranto. Nada podia fazer com que ele segurasse as lagrimas. Viu o irmão ir embora sem ouvir uma única palavra que ele disse. Mas não importava o único lugar onde ele queria estar, estava sendo velado por terra. Ele não conhecia essa sensação, ninguém nunca diz como deve se sentir quando sua família te enterra.
Lucio caminhava para sua família. Mesmo sem entender porquê. Tropeçou. Caiu de cara em uma pedra, mas aquela dor era insignificante. Ele sentia uma dor inexistente. E não existia outra palavra para definir. Metros a frente dele era isso que estava acontecendo.
Deitado. Olhando o céu. Ele sentia o sangue quente escorrer de seus lábios. "Um dia tempestuoso" ele pensou analisando o céu. Até que a chuva caiu, e ele sentiu o frio, o quente, mas acima de tudo. A dor da inexistência vinda de sua família. "Não existe dia melhor para morrer". Foi tudo que vinha em sua mente.
Quando Igor chegou em seu telhado. Aquilo doeu em seu ser. Mesmo que ele não sentisse. Doia. Não é aquela dor que se sente, apenas que se sabe. Duas semanas atrás ele estava naquele mesmo lugar. Sentado com seus amigos. Conversando sobre estar vivo. Sobre o desejo de ter experiências para contar para suas gerações futuras, e olha agora. O que seria de seu futuro?
Ele desceu para seu quarto. Observou a cama, seus livros. Ele via o mundo diferente, com sua velocidade, com seus detalhes. A visão extraordinária dele fazia com que a tinta em sua parede ganhasse um novo tom. Tudo tinha uma velocidade diferente no ar.
Fechou os olhos. Respirou fundo. Sim, ele ainda respirava, por mero costume, ele não tinha necessidade disso, seu corpo não precisava mais de oxigênio, ele sentia todo o corpo funcionar, ouvia seus batimentos, até mesmo seu sangue nos vasos sanguíneos se ele se prestasse muita atenção. De repente ouviu um barulho enorme.
Gotas caindo do céu, em seu telhado, batendo contra sua janela. Ele se atirou na cama, apenas ouvindo o mundo ao seu redor. Passou algumas horas e ele resolveu procurar o que queria, pegou o notebook e começou a pesquisar sobre vampiros
Lucio dormiu e acordou com um gosto peculiar de terra na boca. Passou muito tempo, a chuva tinha passado, o enterro tinha acabado e outro corpo estava sendo velado. No mundo ao seu redor, a vida estava acontecendo, mas a sensação de estar morto? Não saia de sua garganta.
- Vamos indo? - Igor estava parado em pé ao lado dele. Com um olhar peculiar e um sorriso estranho.
- E para onde?
- Eu sei um lugar.
E eles foram, sem ameaças, sem pedidos para se comportar. Lucio não estava mais relutante, nem parecia mais querer fugir. Para ele, Igor não era mais seu carcereiro, era a única família que ele podia contar.

Uma, Duas, Três, Chama A Próxima Onde histórias criam vida. Descubra agora