Capítulo 01.

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Emma

     Abri a porta do pequeno apartamento e fui recebida por uma lufada de ar quente reconfortante em contraste com o ar gélido das ruas nova iorquinas. Abril já havia iniciado e a primavera já deveria ter vingado, mas aquele vento cortante e extremo, decididamente, não havia ido embora com a estação soturna anterior. Aliás, parecia que a era cinzenta e fria do inverno tardava a dissipar-se completamente, ironicamente análoga a meu estado de espírito. Afinal, internamente, eu vivia um inverno rigoroso e demorado, apostando todas as fichas em uma primavera que demorava a se estabelecer. A penumbra do aposento mal mobiliado era precariamente exposta pelos fracos feixes de luz que invadiam a janela. O ambiente quente, vazio e sem luz era estranhamente confortável.

     Depositei as chaves no aparador, retirei o pesado sobretudo, jogando-o junto com a bolsa na poltrona ao lado da porta. Eu finalmente estava em casa, consolei-me mentalmente. Ainda que, claramente, aquele lugar não chegasse nem perto de um lar, era reconfortante ter para onde voltar depois de um dia tão cansativo. Eu tinha total consciência da necessidade de dar um jeito naquele apartamento - Jessa me lembrava aos resmungos - mas eu não tinha a mínima disposição ou vontade para isso. Os únicos móveis dispostos na sala eram um sofá, uma mesa de centro e um tapete velho. Parecia mesmo um apartamento abandonado, um conjunto de concreto vazio e sem vida, e - honestamente - não me incomodava.

     Cerrei as pálpebras numa piscada um pouco mais longa e constatei que eu poderia definitivamente dormir por ali, de pé no meio da sala. A exaustão deixava minha mente pesada, todos os meus membros fracos e as articulações doloridas, afinal de contas não era fácil sobreviver a um plantão que durava mais de vinte e quatro horas. 

     Eu sempre soube que seria médica, desde o dia em que coloquei um band-aid infantil no joelho ralado do meu irmão e senti pela primeira vez a satisfação de ajudar alguém e  cuidar de alguém. E, hoje, eu estava no quinto e último ano da faculdade, realizando os estágios clínicos e se tudo corresse bem e dentro do planejado, em dois meses eu faria a prova final e me tornaria a pediatra que sempre sonhei. Toda aquela dedicação e todo aquele cansaço seriam recompensados.

     A ideia de dormir por ali mesmo era tentadora, mas um resquício de responsabilidade me alertou de que era necessário forrar o estômago. Com um esforço absurdo, arrastei minhas pernas, como um zumbi, até a cozinha. Abri a geladeira em busca de algo e constatei que, definitivamente, eu precisava ir às compras. Eu passava a maior parte do meu tempo dentro da ala infantil do hospital, portanto as minhas raras refeições eram feitas por lá, não me parecia relevante ir ao supermercado. Além do mais, comer havia se tornado um ato absolutamente desagradável. E não só porque eu havia passado por dias difíceis e o meu apetite se tornara nulo, mas também porque, das vezes que eu tentava realizar uma refeição decente, eu era atingida por uma náusea aguda e minutos depois acabava no banheiro colocando tudo para fora.

     Peguei um suco de laranja na geladeira e algumas bolachas murchas no armário, tentando me convencer de que aquilo seria o suficiente, ao menos por essa noite teria que servir. Sentei-me a bancada da cozinha me preparando emocionalmente para o ritual que se tornara as minhas refeições. Engoli um pequeno gole do suco e esperei alguns segundos pelo embrulho no estômago ou pelas ânsias que felizmente não vieram. Calma e receosamente mordisquei as bolachas.

     Constantemente, nos últimos dias eu me questionava em que ponto as coisas viraram de ponta cabeça e começaram a dar terrivelmente errado. Embora, bem no fundo, eu soubesse que as coisas eram fadadas ao fracasso. Eu sempre soube. Entrei no jogo, apostei e perdi. Honestamente, só não imaginava que seria um fim tão desagradável, tão doloroso, tão penoso. Já havia se passado um mês, afinal. Quatro longas semanas, terríveis, obscuras e doídas... Eu havia me apegado ao último fio de esperança que me restara para acreditar que o tempo colocaria tudo em seu devido lugar, e que aquela tonelada de sofrimento que esmagava o meu peito iria sumir eventualmente. Aquilo tudo iria passar. Dia após dia eu tentava me recuperar aos poucos...

Divorce [REESCRITA]Onde histórias criam vida. Descubra agora