PRÓLOGO

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Emma

3 dias depois

     Jessyca e Nathaniel interagiam exasperados entre si, andando de um lado para o outro no espaço restrito e impessoal do meu apartamento vazio. Eu estava sentada no sofá, assistindo à cena se desenrolar de maneira desbotada, retida pelo filtro dos meus olhos nublados em lágrimas, como um filme mudo da década de 20. Suas bocas abriam dramaticamente, os braços de Jessyca gesticulavam insistentemente de forma espalhafatosa no ar, mas eu não ouvia nada.

     Eu havia me perdido, em algum momento daqueles dias. Como se a vida fosse uma espécie de trem sinuoso e abrupto que partiu e me deixou para trás naquele lugar onde tudo era apenas silencioso, oco e dolorido. 

     Jessyca voltou sua atenção para mim, aparentemente, repetindo de forma insistente o meu nome. Ela não sabia, mas eu não era capaz de ouvi-la nitidamente, eu não era capaz de respondê-la. Continuou escancarando a boca, produzindo dezenas de palavras que nunca chegaram a se materializar dentro de mim. Provavelmente, dizia que eu precisava me levantar daquele sofá velho, que eu precisava tomar um banho, que eu precisava me alimentar, que eu precisava voltar a sentir o gosto amargo do café. Deus... Que eu precisava voltar a trabalhar! Ela apoiava as mãos na cintura em sua típica postura de confronto e seu semblante bonito e delicado estampava uma preocupação gritante. 

     Quis dizer-lhe que no lugar em que me encontrava naquele momento nada daquilo importava. Eu estava lá, presa, simplesmente tentando gerenciar a dor dilacerante que parecia invadir-me em contrações de minuto a minuto. E se eu precisasse confessar, eu não estava indo nada bem. Sem qualquer resposta da minha parte, ela voltou a falar com Nathaniel, apontando energicamente em minha direção.

     Ele, por sua vez, passava a mão, a qual não estava machucada, insistentemente pelos fios grossos e escuros, em uma tentativa desesperada de assumir o controle de ao menos alguma coisa dentro daquele ambiente. Aproximou-se, e quando encarei parcialmente seus traços tão amados e tão dolorosamente familiares, senti a dor chegar em uma intensidade ainda maior. Seus olhos redondos e azuis - reflexo exato dos meus próprios - pareciam um poço de completa agonia. Não posso afirmar se o que mais lhe doía era me ver naquele lugar ou a impotência de não poder me resgatar dele. O fato é que obviamente estava sofrendo, e isso me matava.

     Desviei o olhar de seu semblante, incapaz de enfrentar tamanha sofrimento e estacionei toda a minha atenção em sua mão direita, ligeiramente machucada. Aquilo poderia ser pior? Não bastava estar presa àquele sofrimento, eu ainda precisava lidar com todo o machucado e preocupação causado nas pessoas que eu mais amava. Toda a névoa de meus olhos tornou-se mais espessa, denunciando que a quantidade de lágrimas havia aumentado consideravelmente. Pisquei em dor, permitindo que toda a água morna e densa escorresse livremente pelas minhas bochechas. 

    Chorei pela minha dor, chorei pela dor deles. Chorei pela minha incapacidade de levantar daquele sofá e abraçar o meu irmão e dizer-lhe que tudo estava bem e que eu iria me recuperar. Mas eu não consegui. Nada estava bem. 


9 dias depois

     Abracei o casaco contra o peito, enquanto descia os degraus até a plataforma do metrô, em uma tentativa de isolar-me do vento frio que ricocheteava vigorosamente por toda a estação. Havia um número razoável de pessoas à espera do trem, mas nunca eu havia me sentido tão sozinha. 

      Procurei pelo enorme relógio acomodado na parede de tijolos: 22:17. Eu levaria cerca de 50 minutos para chegar de Manhattan até o Brooklyn e, pela primeira vez no dia, minhas pernas começaram a dar sinais de exaustão. Eu havia trabalhado mais de quinze horas aquele dia e não havia ingerido nada de sólido. Eu estava a base de água e cafeína. O que era basicamente um avanço, se você considerar meu estado de alguns dias atrás. 

     A risada espontânea de uma moça chamou minha atenção para um casal encostado na parede, logo abaixo do grande relógio. Ela estava completamente apoiada nele, protegendo-se do frio enquanto ele dizia algo aparentemente engraçado em seu ouvido. Ela ria. Abertamente. Livremente. A sensação acre e quente, ligeiramente adormecida durante o dia, resolveu se espalhar pelo meu peito como uma lava tóxica. Eles pareciam um casal verdadeiramente felizes, entrosados e ridiculamente apaixonados. E isso fez o aperto no meu peito pulsar. Tentei desviar a atenção, entortei o pescoço para verificar se o trem estava chegando, mas a moça continuava rindo

     Quis genuinamente ir até ela, pegá-la pelo ombro e alertá-la de que aquilo acabaria mal. Muito mal. E que, honestamente, toda aquela sensação gostosinha que ela provavelmente estava sentindo naquele momento não valeria a pena pela quantidade de sofrimento que traria a reboque no fim. O amor destrói, moça, vá embora enquanto há tempo!

     O aperto no peito.

     A garganta ressecada.

     Os poros arrepiados.

     Todos os sintomas de que eu estava prestes a começar a chorar começaram a pipocar.

     Não chore na rua. Não chore na rua. Não chore na rua.

     Ajeitei a bolsa ao meu ombro esquerdo. Chutei algumas pedrinhas com a ponta da bota. Tentei, verdadeiramente, levar meus pensamentos para qualquer outro assunto que não espezinhasse o que sobrara do meu coração. Em vão. Lágrimas teimosas e grossas preencheram cada centímetro da minha pupila estúpida. 

    Por favor, não quero chorar na rua.  

     Já bastava ter chorado escondida no banheiro do hospital, no carro de Jessyca, ou no no boxe do banheiro. Implorei para qualquer instância superior que pudesse me ouvir por um restinho de dignidade. Levantei os olhos para o céu, tentando evitar que qualquer gota escorresse pelo meu rosto exausto. Francamente, como se eu já não tivesse vivido humilhações o suficiente por toda uma vida, minhas emoções estúpidas não eram capazes de esperar até chegar em casa para transbordarem.

     Como uma resposta irônica dos céus, um artista de rua começou a dedilhar uma música qualquer e incrivelmente triste. Um riso misturado a um soluço escaparam da minha garganta em um barulho desajeitado. 

     Comecei a chorar.

     Não um choro silencioso ou discreto. Afinal, não havia nada de discreto ou de silencioso na minha dor. Pelo contrário, ela era vibrante, escandalosa e absurda. Chorei de maneira sentida e dolorida. Caminhei até a parede e escorreguei até o chão, visivelmente atraindo olhares piedosos ou curiosos das pessoas. Eu não as julgo. Eu era um quadro triste e deplorável de alguma pessoa que obviamente havia dado errado em algum momento. 

     Vasculhei dentro da bolsa com dificuldade até encontrar meu celular.

     - Emma? - A voz de Danny soou como um bálsamo depois de apenas dois toques. 

     Não respondi, mas ele foi capaz de ouvir o choro desenfreado que escapava dos meus pulmões.

     - Emma! - Meu nome soou de maneira dura e enfática, denunciando certo desespero - Onde você está? Está em casa? No hospital? Eu estou saindo daqui. 

     Minha voz falha conseguiu dizer em que estação eu estava.

     Danny desligou.

    O trem chegou e partiu.

    Eu fiquei ali, chorando copiosamente na frente de estranhos enquanto ouvia o acorde daquela música terrivelmente triste, esperando meu melhor amigo vir me resgatar mais uma vez. 

     Quando tudo aquilo iria passar, afinal? 

Divorce [REESCRITA]Onde histórias criam vida. Descubra agora