The party

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Senhor
Mantenha os nossos corações fixos;
Como você fixou os planetas em suas órbitas
E esfrie o caos emergente
Como a gravidade de sua vontade impede estrela e estrela do colapso
Impede o oceano de se tornar pó e o pó de se tornar água
Impede os planetas de colidirem
E os sois de explodirem
Então, Senhor, mantenha os nossos corações fixados
Em órbita estável
E os ajude a permanecer no caminho.

— Salmo 21 (De Oração e Estudo, O livro do Shhh)

Naquela noite, mesmo depois de eu estar na cama, as palavras de Dinah são reproduzidas interminavelmente na minha cabeça. Você não vai acabar como ela. Você não tem isso dentro de você. Ela só disse isso para me confortar, eu sei — deveria ser reconfortante — mas por alguma razão não era. Por alguma razão isso me deixa chateada; há uma dor profunda no meu peito, como se algo grande, gelado e afiado estivesse lá.

Aqui há outra coisa que Dinah não entende: pensar sobre a doença e se preocupar com ela, e sublinhar quaisquer predisposições que eu herdei para isso — é tudo o que eu tenho da minha mãe. A doença é tudo o que eu sei sobre ela. É o vínculo.

Fora isso, eu não tenho nada. Não é que eu não tenha memórias dela. Eu tenho — um monte delas, considerando o quão jovem eu era quando ela morreu. Eu me lembro que quando havia neve fresca ela me mandava para fora para encher panelas com mãos cheias de neve. Uma vez dentro da casa, nós iríamos regar as panelas cheias de neve com xarope de bordo, assistindo aquilo endurecer em doces âmbares quase instantaneamente, todos ovais e frágeis, inclusive açucarados, como laços comestíveis.

Eu me lembro do quanto ela amava cantar para a gente quando ela me colocava na água na praia da Esplanada Leste. Eu não sabia o quão estranho aquilo era naquela época. Outras mães ensinavam seus filhos a nadar. Outras mães colocavam seus filhos na água e aplicavam protetor solar para se certificar que seus bebês não se queimassem, e fazem todas as coisas que uma mãe deveria fazer, como é delineado na Seção Pais no Manual de SSF.

Mas elas não cantam. Eu lembro que ela trazia bandejas de torradas amanteigadas quando eu estava doente e beijava os meus machucados quando eu caía, e eu lembro uma vez quando ela me pegou no colo depois que caí da minha bicicleta e começou a me balançar em seus braços, uma mulher tossiu e disse a ela, "Você deveria se envergonhar" e eu não entendia o porquê, o que me vez chorar ainda mais. Depois disso, ela só me confortava em particular. Em público ela só iria franzir e dizer, "Você está bem Camila. Levante-se."

Nós costumávamos ter festas de dança também. Minha mãe as chamava de geleia de meia, porque nós enrolávamos os carpetes da sala de estar e colocávamos as nossas meias mais grossas, e escorregávamos e deslizávamos pelos corredores de madeira. Até Sofia participava, embora ela sempre afirmasse que era muito velha para jogos de crianças.

Minha mãe abaixaria as cortinas e colocaria travesseiros nas portas dianteira e traseira, e aumentaria o som da música. Nós ríamos tanto que eu sempre ia para cama com dor de barriga.

Eventualmente, eu entendi que na nossa noite de geleia de meia ela fecharia as cortinas para nos prevenir de ser vistas por uma patrulha passageira, que ela enchia as portas com travesseiros para que então os vizinhos não nos relatassem por tocar música e rir demais, ambos potenciais sinais do deliria. Eu entendi que ela costumava esconder o broche militar do meu pai — um punhal de prata que ele herdara do seu pai, que ela usava todos os dias numa corrente em volta do seu pescoço — debaixo do colarinho da sua blusa sempre que ela deixava a casa, então ninguém o veria e se tornaria supersticioso. Eu entendi que todos os momentos mais felizes da minha infância foram uma mentira.

Eles eram errados, perigosos e ilegais. Eles eram uma anomalia. Minha mãe era uma anomalia, e eu provavelmente herdei isso dela. Pela primeira vez, realmente, eu me pergunto o que ela deveria ter sentido, pensado, na noite em que ela andou aos penhascos e continuou andando, pés suspensos no ar. Eu me pergunto se ela estava assustada. Eu me pergunto se ela pensou em mim ou em Sofia. Eu me pergunto se ela estava triste por nos deixar para trás.

My Only DeliriumOnde histórias criam vida. Descubra agora