Comida para o corpo, leite para os ossos. Gelo para o sangramento, uma barriga de pedras. — Bênção Popular
Mesmo depois dos portões de ferro se fecharem atrás de nós e as Criptas retrocederem na distância, o sentimento de estar encurralada por todos os lados não se vai. Ainda tem uma terrível pressão apertando meu peito, e tenho de lutar para respirar. Um antigo ônibus de prisão nos leva para longe da fronteira, para Deering. De lá, Lauren e eu andamos de volta para o centro de Portland, ficando em lados opostos da rua. A cada par de passadas que ele dá, gira a cabeça em minha direção para me olhar, abrindo e fechando sua boca como se estivesse pronunciando uma série de inaudíveis palavras.
Sei que ela está preocupada comigo, e provavelmente esperando que desmorone, mas não consigo encontrar seus olhos ou falar com ela. Mantenho meus olhos fechados, mantenho meus pés se movendo adiante. Além da terrível dor em meu peito e em meu estômago, meu corpo parece entorpecido. Não posso sentir o chão abaixo de mim, ou o vento passando através das árvores, tocando meu rosto; não posso sentir o calor do sol, que ao contrário de todas as expectativas, irrompeu através das terríveis nuvens negras, iluminando o mundo em uma cor esverdeada estranha, como se tudo estivesse debaixo da água.
Agora eu conheço alguém nesse mundo, na selvageria do outro lado da cerca, minha mãe está viva, respirando, suando, se movendo e pensando. Pergunto-me se ela pensa sobre mim, e a dor parece se aprofundar, me fazendo perder o ar completamente, então tenho de parar de andar e me arquear, uma mão sobre meu estômago.
Nós ainda estamos fora da península, não muito longe da rua Brooks, nº37, onde as casas são separadas por enormes jardins com grama alta, cheios de lixo. Ainda há pessoas nas ruas, incluindo um homem que logo digo ser um regulador à frente: mesmo agora, pouco antes do meio dia, ele tem um megafone balançando preso ao redor de seu pescoço e um bastão de madeira preso a sua perna. Lauren deve tê-lo visto também. Ela fica alguns passos distantes de mim, observando a rua, tentando parecer despreocupada, mas ela murmura em minha direção.- Você pode se mover?
Tenho de lutar contra a dor. Ela está percorrendo todo o meu corpo agora, subindo até minha cabeça.
- Acho que sim. - Murmuro.
- Beco. À sua esquerda. Vá.
Endireito meu corpo o máximo que consigo — o suficiente, pelo menos, para entrar no beco entre dois grandes prédios. Na metade do caminho no beco tem alguns lixões de metal, arrumados paralelamente um ao outro, zumbindo devido às moscas. O cheiro é nauseante, como estar de volta às Criptas, mas afundo entre eles de qualquer maneira, grata pelo esconderijo e por poder me sentar. Assim que começo a descansar, a pulsação em minha cabeça diminui. Inclino minha cabeça contra a parede, sentindo o mundo balançar, como um navio que se soltou de sua amarração. Lauren se junta a mim um momento depois, inclinando-se a minha frente, afastando o cabelo de meu rosto. É a primeira vez que ela é capaz de me tocar durante o dia todo.
- Sinto muito, Camz. - Ela diz, e eu sei que ela realmente sente. - Pensei que você gostaria de saber.
- Doze anos. - Disse simplesmente. - Por doze anos, pensei que ela estivesse morta.
Por um momento nós ficamos em silêncio. Lauren desenha círculos em meus ombros, braços e joelhos — qualquer lugar que ela possa tocar, realmente, como se estivesse desesperada por manter um contato físico comigo. Eu gostaria de poder fechar os olhos e estourar em pó e nada mais, sentir todos os meus pensamentos desaparecerem como um dente de leão soprado ao vento. Mas suas mãos continuam me puxando de volta: para o beco, e Portland, e para o mundo que de repente parou de fazer sentido. Ela está lá fora em algum lugar; respirando, sedenta, comendo, andando, nadando. Impossível, agora, contemplar o que está acontecendo em minha vida, impossível imaginar dormir, e mover meus pés para correr, e ajudar Clara com as louças, e até mesmo entrar na casa com Lauren, quando eu sei que ela existe: que ela está lá fora, orbitando tão longe de mim quanto à distância das constelações.
VOCÊ ESTÁ LENDO
My Only Delirium
Fiksi Remaja"Ouvi muitas vezes que quando eu fosse curada do amor ficaria feliz e em segurança para sempre. Eu acreditava nisso. Antes. Agora tudo mudou, e posso dizer que hoje prefiro sofrer de amor por um único milésimo de segundo à viver cem anos reprimida p...