Quando entro em casa está mais quente que o normal: um muro molhado e sufocante de calor. Clara devia estar cozinhando. A casa cheira a carne bem passada e temperos — misturado com o normal cheiro de verão de suor e mofo, é um pouco nauseante. Nas últimas semanas nós temos jantado na varanda: salada de macarrão cru, frios e sanduíches do balcão da deli do meu tio. Clara coloca sua cabeça para fora da cozinha quando passo. Seu rosto está vermelho e ela sua bastante. Faixas escuras de suor deixaram poças de manchas em sua blusa azul pálido.
- Melhor você se trocar. - Ela diz. - Sofia e David estarão aqui a qualquer momento.
Eu esqueci completamente que minha irmã e seu marido estavam vindo jantar. Normalmente eu a vejo quatro ou cinco vezes no ano, no máximo. Quando eu era mais nova, sobretudo depois que Sofia mudou-se da casa de Clara, eu costumava contar os dias até o dia que ela viria me ver. Eu acho que não ficou claro sobre o procedimento e o que significou para ela — para mim — para nós. Eu sabia que ela foi salva de Thomas, e da doença, mas foi isso. Acho que pensei que de outra maneira as coisas seriam exatamente as mesmas. Eu pensei que assim que ela viesse me ver, seria como antigamente, ficaríamos apenas de meias para termos uma partida de dança, ou ela iria me puxar em seu colo e começaria a trançar meus cabelos, contando uma de suas histórias — de lugares distantes e bruxas que podiam se transformar em animais. Mas ela só roçou uma mão sobre minha cabeça quando entrou pela porta, e aplaudiu educadamente quando Clara me fez recitar minha multiplicação e divisão de tabelas. "Ela está crescida agora," Clara me disse, quando lhe perguntei por que Sofia não gostaria mais de jogar. "Um dia você entenderá." Depois disso, eu parei de prestar atenção na nota que aparecia a cada poucos meses no calendário da cozinha: Visita da Sofia.
No jantar o grande assunto da conversa foi Brian Scharff — o marido de Sofia, David, trabalha com o amigo do primo de Brian, então David se sente como se fosse um conhecedor da família — e Universidade Regional de Portland, onde eu estarei começando no outono. É a primeira vez na minha vida que estarei numa classe com membros do sexo oposto, mas Sofia disse para não me preocupar.
- Você nem vai notar. - Ela disse. - Você estará tão ocupada com trabalho e estudando.
- Lá tem escoltas. - Diz tia Clara. - Todos os estudantes são veteranos. - Código para: todos os estudantes estão curados. Eu penso em Lauren e quase digo, nem todos.
O jantar se arrasta bem com o passar do toque de recolher. No momento em que minha tia me ajuda a limpar os pratos é quase onze horas, e Sofia e seu marido ainda não fazem menção de ir embora. Tem outra coisa com o qual estou animada: em trinta e seis dias, eu não terei que me preocupar mais com o toque de recolher.
Depois do jantar meu tio e David vão para a varanda. David trouxera dois charutos — baratos, mas ainda assim — e o cheiro da fumaça, doce e vistosa e um pouquinho gordurosa — flutua através das janelas, se misturando com o som de suas vozes, enchendo a casa de uma névoa azul. Rachel e tia Clara permaneceram na sala de jantar, tomando um pouco de um aguado café quente, a cor pálida suja da velha lava louças. Do andar de cima ouço som de correria. Sandra irá importunar Marielle até ela se entediar, até ela ir para cama, amarga e descontente, deixando a monotonia e mesmice de outro dia acalmando-a para dormir.
Eu lavo a louça — muito mais do que o normal, uma vez que Clara insistiu em fazer sopa (cenoura quente, que todos nós sufocamos, suando) e uma carne assada passada no alho e aspargos flácidos, provavelmente tirados do fundo da vasilha de vegetais, e alguns biscoitos frios. Estou cheia, e o calor da água de lavar louças nos meus pulsos e cotovelos — junto com o ritmo familiar das conversas, o ruído de passos do andar de cima, a névoa azul da fumaça — me faz ficar bem sonolenta. Clara finalmente se lembrou de perguntar sobre os filhos de Sofia; Sofia falou sobre suas realizações como se estivesse recitando uma lista que ela acabara de memorizar, e com dificuldade — Sarah já está lendo; Andrew disse sua primeira palavra em apenas treze meses.
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My Only Delirium
Teen Fiction"Ouvi muitas vezes que quando eu fosse curada do amor ficaria feliz e em segurança para sempre. Eu acreditava nisso. Antes. Agora tudo mudou, e posso dizer que hoje prefiro sofrer de amor por um único milésimo de segundo à viver cem anos reprimida p...