A cantina era um bom lugar de encontro para os estudantes. Os intervalos dos diversos cursos coincidiam no horário e daí a oportunidade de conhecer alunos de todos eles.
Ricardo e Humberto estavam na cantina quando ela chegou.
O nome dela, ele já sabia, era Clara, estudava psicologia e estava acompanhada por Luciana, a quem Ricardo já havia dito ter se interessado. Clara e Humberto olharam-se quase dizendo oi, mas não foi exatamente o que fizeram. Os olhares diziam muito mais. Luciana pareceu nem ter visto Ricardo.
Clara e Lu sentaram-se numa mesa distante, mas os olhares poderiam continuar a ser trocados sem dificuldade.
— Você viu como ela está te olhando, Humberto?! — Ricardo notou.
—Acho que sim, preciso fazer algo.
— Vá até lá, fale com ela — aconselhou Ricardo.
— Isso seria banal demais, tenho que fazer algo diferente...
— O quê? Não vá deixar passar essa chance e se arrepender do que não fez.
Nesse momento dois rapazes sentaram-se na mesa delas. Aparentemente, eles não as conheciam e estavam a assediá-las. Ao menos parecia que elas não apreciaram muito a aproximação daqueles dois.
— Viu? — disse Humberto — Elas são muito gatinhas. Devem aguentar esse tipo de paquera toda hora. É preciso aproximar-se com mais criatividade.
— Eu já estou com raiva é de não ter ido até lá para falar com a Luciana antes desses dois — Ricardo falou.
Humberto soltou uma pergunta inesperada:
— Você sabe como se pesca peixe grande?
— Quê?
— É preciso puxar e depois soltar, puxar novamente e soltar. Mas algo tem de atraí-lo, inicialmente... Uma isca!
— Peixe grande?! Eu preocupado com aqueles tubarões e você me vem com peixe grande!
— Não se preocupe com aqueles dois. Observe, nitidamente elas não estão interessadas neles — Humberto parecia seguro, como se nunca tivesse sido um rapaz tímido. Apontou algo e disse:
— Ricardo me dê esse guardanapo aí, por favor.
Pegou uma caneta e escreveu um longo bilhete.
— Pronto!
— Posso ver? — Ricardo manifestou-se curioso.
— Prefiro que não. Mas precisa me ajudar a colocar esse bilhete no meio do material dela, sem que ninguém veja.
Os dois rapazes desconhecidos pareciam se esforçar em agradar Clara e Lu, mas, ao menos Clara, não prestava muita atenção neles. Vira e mexe ela lançava olhares para Humberto. Ambos sorriam discretamente, entendendo que estavam atraídos, divertiam-se com a situação.
De repente, Clara levantou e veio em direção à mesa de Ricardo e Humberto.
Humberto começou a avermelhar e sua segurança pareceu evaporar-se. Ricardo percebeu, levantou e disse:
— Acho que chegou sua vez... O peixe vem aí, lance sua isca. Coragem! — despediu-se rapidinho e saiu.
Sozinho, Humberto sentiu-se ainda mais sem jeito e não conseguiu manter os olhos em Clara, abaixou a cabeça olhando o copo em que bebia, sobre a mesa. Quando criou coragem, olhou...
VOCÊ ESTÁ LENDO
BIVIÁRIO
Romance" A água por certo era a essência da cachoeira, mas não exatamente ela própria, que na verdade é efêmera. A água em sua eternidade, como Humberto já compreendia após observá-la na caverna, seguia seu rumo recolhendo a experiência de ter sido cachoei...