Ao mesmo tempo em que pensava ter sido honesto, sentiu-se a pior pessoa do planeta. Terminou o relacionamento com Clara, mas nunca imaginou o quanto seria difícil fazê-lo. Viu Clara chorar, numa quietude assustadora.
Não era o silêncio harmonioso das cavernas, dele, a bravejar, ouvia-se um som insuportável, que deflagraria uma grande e desconhecida dor.
Era uma mudez barulhenta que aos poucos tomou o vulto das verdades que seus próprios sentimentos iriam revelar.
De início, fugiu de qualquer pensamento, deixando-se enganar.
Humberto buscou inspiração em sua "liberdade", para superar aqueles estranhos sentimentos que a separação trouxera. Para tanto, procurou Elisa e viveu novos momentos com ela.
Porém, aos poucos, os pensamentos não puderam dar costas aos sentimentos e logo ele percebeu que tudo estava errado.
Clara não saia de sua cabeça.
Teve muitas saudades...
Precisou de amigos e para sua sorte pode contar com Ricardo que já havia voltado da viagem. Era sábado, estavam sentados na varanda da casa, logo após um almoço improvisado com o que, após uma compra que fora feita na segunda-feira passada, restava na geladeira. Arroz, algumas batatas e salsichas; pronto! O "rango" estava feito e a geladeira vazia de novo. Ricardo tinha sido o "cozinheiro" e notara a ausência do costumeiro bom humor de Humberto. Sabia sobre Clara, mas não sabia como tocar no assunto, até que arriscou:
— Ei Hum, você anda meio estranho. Parece triste, que há? Vá dizer que não apreciou o almoço aqui do maître?
O sorriso de Humberto não saiu. Mas a pergunta serviu para que ele resolvesse falar algo do que estava sentindo.
— Sabe Ricardo, eu não consigo entender... Estava pensando em Clara... Terminei com ela porque senti necessidade de viver outras experiências. Mas bastou separar-me e Clara tornou-se a pessoa que eu mais quero a meu lado.
— Ufa! Pensei que tinha sido a comida — disse Ricardo, tentando inutilmente, descontrair a conversa. Depois expressou a seguinte ideia:
— É incrível a dificuldade que mostramos em valorizar aquilo que nós já temos, não é? É como uma caneta! Veja, toda hora esquecemos nossa caneta em algum lugar e acabamos por perdê-la. Mas quando precisamos escrever algo e não há uma caneta por perto, aí percebemos como ela é importante...
Ricardo olhou para Humberto e viu que ele não prestava atenção. Aqueles olhos distantes e tristes fizeram Ricardo levar mais a sério os sentimentos de seu amigo.
— Desculpe, esqueça tudo que falei. Por que você não procura Clara e conta tudo que sente?
— Não sei se posso acreditar no que sinto agora, meus sentimentos têm me traído!
— Ora Humberto, os sentimentos não nos traem! Ao contrário, estão sempre a nos indicar o bom caminho. Estamos sempre aprendendo, mas é certo que às vezes não nos dedicamos em ouvir os alertas que nossos sentimentos proclamam dentro de nós.
— Preciso saber o que realmente eu quero.
— É por aí mesmo Hum. Sinto por não poder ajudar muito.
— Valeu! Essa conversa está sendo importante.
Após alguns instantes Humberto acrescentou:
— Sabe, temo que Clara não me dará outra chance. Ela saiu tão triste e não nos vimos mais. E pior, ela já soube sobre Elisa.
Ricardo já havia terminado com Luciana fazia tempo e toda hora estava com um novo caso. Ele era muito diferente de Humberto, mas o conhecia bem e o respeitava. Porém, lançou uma ideia que certamente sabia, atingiria longe os princípios de seu amigo:
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BIVIÁRIO
Romance" A água por certo era a essência da cachoeira, mas não exatamente ela própria, que na verdade é efêmera. A água em sua eternidade, como Humberto já compreendia após observá-la na caverna, seguia seu rumo recolhendo a experiência de ter sido cachoei...