Não soube lidar com o fato de Cristina ter "ficado" com outro. Ele até tentou superar isso, mas o relacionamento tomou rumo errado, enchendo-se de neuroses.
De que adianta levar um relacionamento doente mesmo após sucessivas tentativas de tratamento? Pra que buscar justificativas de separação? Basta perceber, não é mais saudável. Assim Humberto aceitou a condição de afastar-se dela.
E num dia dos namorados, escrevemos:
"Dia dos namorados"
Um vaso, fascinante vaso,
Nosso relacionamento.
Um esbarrão, sem querer...
O vaso ao chão.
Sem culpa,
O fim do vaso!
Diante o tormento dessa separação, a música que veio correr em sua circulação sanguínea foi:
[música no ar] ... "Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião... O tempo rodou num instante às voltas do meu coração."
Muitos sentimentos engoliram-nos num redemoinho incompreensível. Confesso que eu mesmo me perdi junto com ele diante um misto de tristeza, raiva, carência, medo, insegurança, frustração, dor, mágoa, solidão, saudade, ciúme e ainda mais, ele vivia uma sensação de injustiça, ingenuidade e impotência. Mas nós não poderíamos distinguir cada um desses sentimentos enquanto eles nos dominavam, todos ao mesmo tempo e de modo tão intenso.
Algumas dessas emoções nós sequer as conhecíamos até aquele momento. Eu não tive a menor oportunidade de auxiliá-lo, haja visto que também estava aprendendo algo. Porém, eu percorria tudo contando com a harmonia do caos, em que o tempo reequilibra todas as perturbações. Para ele, no entanto, a vida rodopiou por alguns meses, preenchida com atitudes incoerentes, às vezes agressivas e nitidamente perdidas.
O que mais o incomodava era não aceitar o que sentia. Aí residia sua impotência, o que tornava maior sua raiva ao perceber que era incapaz de deixar de sentir algo que não queria. Na verdade, ele esquecera que todos nós temos nossa velocidade e devemos respeitá-la. "A natureza não dá saltos", mas eu sabia que no devido momento daríamos uma estilingada à frente. Contava que dessa vez faríamos isso conscientemente unidos.
Em sua rejeição aos próprios sentimentos, considerava que estava sendo injusto ao identificar em si um sentimento ruim em relação à Cristina, pois ele podia compreender que o fato dela ter "ficado" com alguém não significava que ela não o amava. Ele próprio havia concluído isso alguns dias antes, na ilha. Mas e a maldita dor que sentia?
O caos nos dominou por algum tempo.
O rompimento do relacionamento feria-o em muitos pontos. Quebrava projeções tais como: esposa, filhos, família, lar; desafios que ele vinha amadurecendo há algum tempo para enfrentar com alegria.
Projeções... Por que estamos constantemente nos apegando ao que ainda não temos e por isso, muitas vezes nos descuidamos do que temos?!
Dúvidas, eu sabia, são bom motivo a reflexão, introspecção e consequente auto-conhecimento. Bom motivo para crescimento interior.
Ele, todavia, chorou bastante!
Nossa dificuldade era que ao aprofundarmo-nos dentro de nós, uma dor incontrolável começava a nos invadir. Nunca havíamos sentido essa dor. Uma dor insuportável! Uma dor insuportável é aquela que não conseguimos carregar, daí... Fugimos! Daí... As atitudes perdidas.
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BIVIÁRIO
Romance" A água por certo era a essência da cachoeira, mas não exatamente ela própria, que na verdade é efêmera. A água em sua eternidade, como Humberto já compreendia após observá-la na caverna, seguia seu rumo recolhendo a experiência de ter sido cachoei...