Capítulo 12 - Relacionamento IV - Shao Lin

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Chegou a sua casa, uma edícula com um vasto gramado à frente. Qualquer relógio correto indicaria duas e meia da manhã, o que para Humberto não queria dizer nada naquele momento, por isso ele não reparou as horas. Num canto do quintal, sobre a grama, via-se restos de madeira queimada e ao lado um conjunto de lenha. Humberto olhou-os e decidiu. Montou uma nova fogueira, ateou fogo, sentou-se perto e deixou as chamas fazerem o resto do serviço, hipnotizando-o, como sempre faziam.

Em transe, comunicamo-nos, inconscientemente, como se estivéssemos apenas a conversar, refletindo:

Eu poderia ter agido diferente...

Ainda é cedo para caminharmos sem erros, procure brindar às pequenas lições que estamos podendo absorver.

Como deixar de sentir essa dor?

Com quem você acha que poderia se indispor e não se importar?

Ninguém!

Pois é, a falta sentida por um afastamento banhado em mágoa, é painel de valor mostrado tarde. A arte de viver alguém exige esse reconhecimento.

Mas a gente podia tentar de novo, eu aprendi muito.

Às vezes a situação é irremediável, cada um tem seu modo de lidar com os problemas e seu tempo para resolvê-los. Tem de respeitá-la, ela está insegura e quer encontrar-se antes de vivenciar outro relacionamento.

Tenho de respeitá-la e respeitar-me, antes de vivenciar outro relacionamento.

É assim, assim mesmo que...

...De repente, Shao-lin, o boxer, aproximou-se sorrateiro, deitou-se ao lado de Humberto, e colocou a cabeça em seu colo. Saindo do transe com esse pequeno susto, Humberto acabou esboçando um sorriso abaixo de seus olhos tristes. Agradando seu querido cão, ele disse:

 — Shao-lin, meu velho, você é demais. Obrigado por ter vindo aqui comigo, precisava mesmo desse carinho.

Shao-lin deu-lhe uma lambida de surpresa, molhando boa parte da face de Humberto, como poderia se esperar da lambida de um bom boxer.

— Pare Shao-lin, pare! — exclamou Humberto, quase soltando uma risada.

Desse modo, saindo da estranha conversa que travamos em seus pensamentos, Humberto substituiu-me pelo seu companheiro Shao-lin e começou a conversar com ele, deixando-me sem de algum modo ter percebido minha presença.

— Lembra-se "Shao", quando saímos juntos, Clara, eu e você para passear no Igapó? Foi legal, não foi? Pois lá, Clara me deu uma nova visão sobre minha relação com você. Vou lhe contar:

Estávamos sentados sob uma árvore, enquanto você corria livre pelo parque, lembra-se? Você encontrou um jovem cãozinho e começaram a brincar. Nós ficamos observando. Vocês brincaram bastante, mas você, com seus bem vividos sete anos de idade, mostrou-se menos disposto, quando percebeu que o filhote não parava um minuto sequer...

...Salvou-se graças ao dono dele que veio buscá-lo para ir embora. E, você ficou ali descansando, satisfeito com toda aquela brincadeira e pelo fato do jovem já ter se afastado para que você pudesse acalmar o pique.

Um tempo depois aconteceu algo engraçado, eu e Clara reparamos. Surgiu um cão aparentemente mais velho, com focinho de pelos brancos, andando calmo e vez ou outra farejando o solo, com um aspecto de quem mantinha-se despreocupado com o que alguém poderia estar a pensar sobre ele. Você o viu de longe e já sentindo o oxigênio renovado, pôs-se a correr em direção ao possível novo amigo. Aquele cão logo percebeu sua intenção e o esperou lá, bem mesmo onde estava, ficou lhe aguardando. Você chegou abanando seu cotó, pulando de um lado para outro, abaixando a frente do corpo, convidativo a um corre-corre, uma briguinha de brincadeira, esconde-esconde, persegue o mestre ou algo assim. Aquele velho cão fez menção de aceitar o convite, mas não aceitou. E eu posso apostar que ele lhe disse em sua língua:

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