Humberto contava agora com trinta e dois anos de idade. Tinha terminado a faculdade já há cinco anos e estava para defender a tese de mestrado. Após formado, começou a lecionar Ecologia e a fazer pesquisas sobre animais selvagens. Ele estava muito amadurecido e contente em seu trajeto profissional. Trabalhava naquilo que há muito desejou.
A experiência da Bolha despertou Humberto. Criou consciência de que algo dentro dele existia. Algo que ia além dele próprio...
Eu!
Mas ainda não nos havíamos unido como poderíamos fazê-lo.
A fase era outra... Já não saia todas as noites... Não gandaiava tanto! Apesar de recordar do tempo de estudante com alegria, ele entendia que o modo de curtir a vida tinha mudado. Cursava-a com maior serenidade e menores extrapolações.
Mesmo sem estar mantendo um relacionamento firme com alguma garota, Humberto sentia-se bem... A continuidade na universidade proporcionou as condições de manter contato com muitos amigos. Ricardo não estava mais em Londrina, mas vira e mexe aparecia. Pedro também arrumou emprego como professor na escola.
Foi numa tarde de sábado que os três se encontraram. Ricardo veio passar o fim de semana e trouxe algumas fotos.
Humberto apreciava rever fotos antigas, não só das festas com amigos da faculdade, mas também de quando era criança, seus parentes e os lugares por onde passou.
— Olhem essa aqui! O Humberto tá dormindo na grama, ao lado da fogueira e com o pé quase dentro dela!
— Eu me lembro disso! — Ricardo anunciou — Nesse dia ele estava puto da vida com a nota que havia tirado em...
— Ecologia! — confessou Humberto — Acreditam? Matéria que hoje sou professor!
— Você chegou da escola, montou a fogueira e ficou lá, com o Shao-Lin, tomando vinho. Quando cheguei, encontrei você assim... E fotografei. Só depois eu acordei você. No dia seguinte seu pé doía pra burro.
Por algum tempo foram recordando algumas passagens. Cada foto uma pequena história.
Humberto parou longamente olhando um dos álbuns. De repente falou:
— Cultivo da memória!
— Quê? — perguntaram seus companheiros em consonância.
— Olhar fotos, assistir vídeos familiares, compartilhar recordações... Tudo isso é muito legal. Mantém viva nossa memória. Já pensaram se a gente cultivasse o hábito de anualmente nos unir e rever as fotos... Nós estaríamos alimentando nossa memória, permitindo que ela se prolongue.
— Desde que a gente tome umas... Concordo com a reunião anual! — Ricardo falou, abrindo mais uma latinha de cerveja.
— Essa ideia brilhante merece uma foto — afirmou Pedro acionando a máquina logo em seguida.
Fotografou Humberto de surpresa e o flash cegou-o por algum tempo, justo quando ia pegar o copo de cerveja sobre a mesinha... Derramado, o líquido caminhou em direção aos álbuns...
Os dois amigos tentaram resolver o problema ao mesmo tempo. Na confusão, como cena dos "três patetas", ambos, Pedro e Ricardo, abaixaram-se e chocaram as cabeças, deixando-se em seguida, caírem no sofá e trombando os pés na mesa, foram na queda acompanhados pelas cervejas, salgados e sei lá mais o quê!
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BIVIÁRIO
Romance" A água por certo era a essência da cachoeira, mas não exatamente ela própria, que na verdade é efêmera. A água em sua eternidade, como Humberto já compreendia após observá-la na caverna, seguia seu rumo recolhendo a experiência de ter sido cachoei...