Cristina e Humberto estavam no quarto, deitados em uma rede e conversavam sobre o que é certo ou errado.
—Deixe-me falar uma ideia que um amigo me passou sobre o que é certo. Eu procuro usar esse conceito porque ele me faz bem.
Era início da noite, eles haviam voltado da escola, jantado, tomado banho e começaram a conversar. Ela ouvia com atenção.
— Para mim é certo aquilo que posso concluir ser saudável. É importante que o conceito de saudável vá além da concepção fisiológica que se pode ter. Nesta ideia, saudável abrange a saúde física, mental e espiritual, com um sutil senso de equilíbrio entre elas, uma vez que eventualmente, uma pode contrapor-se à outra.
Ele gostava de trocar ideias, achava que algumas questões só poderiam ser resolvidas quando fossem ouvidas as loucuras de cada pessoa sobre o assunto. No momento tentava estimulá-la a falar, liberando as suas próprias ideias loucas.
— Quero dizer... Por exemplo: tomar uma cervejinha! É... Pode não ser muito saudável para o organismo, mas para quem gosta, de vez em quando, pra bater um papo com os amigos num bar; é bastante saudável para a "cabeça." Talvez até um porre, em algumas situações seja saudável. Será que não!? Bom, é claro que meu conceito de saudável pode não servir para muitas pessoas, mas acredito que conceituar saudável gere menores dúvidas que conceituar o que é certo.
— É uma ideia interessante, parece razoável que algo saudável seja certo, mas ainda assim haverá dúvidas sobre algumas questões. Penso que talvez seja melhor nem tentar definir o certo e o errado, afinal que nós sabemos?
— Eu não sei tudo o que é certo e menos ainda sei o que é errado. Não conheço a verdade mas eu acredito que ela seja uma só.
Sua última afirmativa normalmente era combatida por todos com quem já havia conversado. Aguardou curioso pela opinião dela.
— Uma questão pode ser vista por vários ângulos. Cada parte terá suas razões e poderá ocorrer mais de uma conclusão, não acha?
— Você tem razão! Eu posso entender a sua ideia. Talvez essa seja a verdade! Mas imagine... — ele gostaria que ela também tivesse entrado em união com uma pedra — ...Imagine que alguém possa avaliar a situação com a visão de todas as partes e por todos os ângulos. Será que não haveria uma verdade definitiva?
— Eu acho que não há como fazer isso! A verdade é relativa.
— É isso! Veja, se eu disser que "um passarinho, digamos que um canário é um animal muito mau, você poderia discordar dizendo: que bobagem, um canário é um pássaro inofensivo. Mas, eu tenho certeza que um gafanhoto lhe responderia: você é louca, esse animal é um monstro!."
— Isso mesmo!
— Pois bem, mas se você puder entender que, apesar do gafanhoto enxergar o pássaro como um possível, provável e impiedoso devorador de seus pais gafanhotos, irmãos, gafanhotos também, lógico! De seus filhos gafanhotinhos, de sua amada esposa gafanhotinhazinha e até mesmo dele próprio... Você está acompanhando?
Cristina sorriu e disse:
— Sim, aonde quer chegar?
— Bom, se puder entender que apesar da visão do gafanhoto, o pássaro faz parte de um complexo sistema onde cumpre a importante e muitas vezes árdua missão de manter estável a população de gafanhotos, a fim de, não só alimentar-se — como um gafanhoto poderia pensar — mas acima de tudo, manter harmonia entre os próprios gafanhotos, controlando a população deles; se você puder realmente compreender isso, será fácil julgar que o pássaro não é mau, nem mesmo aos gafanhotos. A compreensão do TODO mostra a verdade!
— Pode haver outras maneiras lógicas de interpretar a questão sobre o pássaro e os gafanhotos e eu não gostaria de participar de um júri para resolver se o pássaro é mau ou bom. Penso que se fosse uma gafanhotinhazinha eu não teria qualquer dúvida.
Ela aguardou uns segundos e depois prosseguiu:
— Sabe... Podemos discutir sobre a compreensão. Nós veremos que, assim como o certo, o errado e a verdade, a compreensão pode ser relativa. Se ela não for, então eu posso entender a sua ideia de uma única verdade, mas acho que não acredito nisso.
— Nós não podemos saber, pois não somos capazes de compreender o TODO.
Ela lançou um olhar de reflexão ao vazio, como se acabasse de ver uma luz em meio aos seus pensamentos e de repente, disse:
— A verdade é inconstante, muda e não muda, é uma só, mas é outra logo em seguida.
Ele a olhou impressionado, percebeu que acabara de conseguir libertar a loucura que nela, ele procurava. Abriu um sorriso e falou:
— Eu não entendi nada!
Apontando uma árvore que se podia ver pela janela, à frente deles, ela começou a falar:
— Vou tentar explicar. Neste exato instante aquela árvore tem 10.637 folhas, ah! Não, quero dizer, uma acaba de cair. A verdade é que ela tem 10.636 folhas. Opa! Tem um bichinho comendo uma delas, xiii! Agora são 10.635 e meia folhas. Não, não, não, acaba de brotar outra: 10.636 e meia...
Antes dela continuar, ele interrompeu:
— Tá bom, tá bom, já entendi! Adorei sua ideia, vou refletir sobre isso, é realmente um novo pensamento para mim — olhando-a com carinho, acrescentou:
— Estou muito Feliz de ter você aqui comigo.
Sabiam que não havia necessidade de contra-argumentação. Ela já o havia entendido e ele a ela. Nenhum desejava convencer o outro a mudar de opinião. Essa era uma característica que ele apreciava muito no relacionamento deles. Agora bastava que refletissem.
A ideia que ela havia revelado a ele, sobre a verdade, iria dominar os pensamentos dele, por longo tempo.
A verdade é inconstante, muda e não muda, é uma só, mas é outra logo em seguida.
Certa vez sonhou que uma pequena planta havia brotado em sua cabeça. Aquilo o impressionou e ele desesperado, ligeiro, empenhou-se em arrancar a plantinha. Ao puxá-la, com certa dificuldade ela foi saindo, porém as raízes começaram a desfazer-lhe o cérebro, tal qual removem o solo quando são extraídas à força de uma plantação. Ele acordou com inevitável cefaleia.
Ao acordar, concluiu que as ideias criam raízes à medida que vão ficando inalteradas em nossa mente e é por isso que cada vez mais, é difícil remanejar as opiniões que plantamos em nosso cérebro.
Após a hígida conversa que tiveram, eles apenas trocaram olhares. Olharam-se com tanto carinho e intensidade, algo como se com os olhos acariciassem um ao outro.
— Tenho uma ideia saudável, mas não sei quantas pessoas poderiam achá-la certa — ela disse maliciosamente, com um sorriso e um olhar que completavam a explicação de sua ideia.
— Eu acho certíssima! — foi só o que ele disse.
Equilibrando-se na rede, colocou-se por sobre ela, deu-lhe um suave beijo nos lábios e começou a acariciá-la com o próprio rosto. Em seguida, olhou-a fundo nos olhos e ambos sorriram. Mordeu a blusa dela, entre os seios, fingindo, de maneira delicada, que iria rasgar, mas ela começou a desabotoar. Ele inverteu a posição que estavam, puxando-a para cima dele, e ajudou-a tirar a blusa. O ato sexual foi preenchido por movimentos lentos e toques suaves, quase como se pudessem sentir um ao outro sem necessidade de se encostar.
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" A verdade é inconstante, muda e não muda, é uma só, mas é outra logo em seguida "
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BIVIÁRIO
Romance" A água por certo era a essência da cachoeira, mas não exatamente ela própria, que na verdade é efêmera. A água em sua eternidade, como Humberto já compreendia após observá-la na caverna, seguia seu rumo recolhendo a experiência de ter sido cachoei...