Completava vinte e dois anos e só agora Humberto carregava a presunção dos adolescentes, acreditando ser capaz de caminhar com destreza em campos semeados por sentimentos humanos.
É comum que os jovens caminhem em rápida marcha, os donos do mundo, os senhores da razão; mas a vida vem mostrar que é preciso observar a paisagem.
A vida exige que se respeite o caminho. Quem não enxergar a paisagem não verá os obstáculos e levará as rasteiras que a vida encarrega-se de passar. As lições muitas vezes têm de ser assim, tropeços para frear a nossa pressa.
Humberto nunca fora precoce e ainda tinha pressa. O relacionamento com Lívia mal havia começado. Viveram alguns momentos... Muito riso e muita troca... Mas logo após a primeira semana de namoro já aconteceram as férias. Lívia e Humberto foram para a casa de seus pais. Moravam em cidades distantes. Sem notícias, Humberto resolveu escrever uma carta e precipitando-se, terminava-a assim:
Lívia... Estou com muita saudade... e preciso dizer:
Eu te Amo!
Humberto
Lívia não aceitou essa apressada declaração de Amor e após as férias... Na escola, encontraram-se:
— Você mal me conhece, Humberto, não é possível que me Ame.
— Espere Lívia! Você precisa entender o que eu quis dizer. Eu penso que Amar é desejar, de coração, que a outra pessoa seja Feliz. Eu quero muito vê-la Feliz!
— Estamos apenas nos conhecendo. Eu acho você muito legal, mas... Amar não é algo que se pensa... Amar é um sentimento!
— Tudo bem! Eu gostaria que você entendesse, mas...
— Mas você também precisa me entender! — Lívia o interrompeu, mostrando-se irritada com a conversa desencontrada. Olhou para ele e de modo mais ameno acrescentou:
— Preciso ir para a aula, depois conversamos... — deu-lhe um beijo esquisitamente e foi embora.
O relacionamento seguiu de modo estranho. Humberto tentou falar sobre as cavernas, sobre as pedras, a cachoeira e a fórmula da Felicidade. Tentou valorizar Lívia cobrindo-a de atenção e cuidar para não errar como em seu relacionamento anterior.
Atropelou-a com ideias, afogou-a com carinhos e sufocou-a com sinceridade.
Lívia não correspondeu à entrega, rejeitando a velocidade com que ele queria conhecê-la e fazer-se conhecer. Como alguém que preserva seus bens, com medo que sejam roubados, Lívia criou barreiras e manteve-se distante.
Inseguro, Humberto também fechou-se e o relacionamento tornou-se frio, coberto por receios, quase impedido de existir, pelo medo de abrirem o livro de seus sentimentos. Mas eles mantiveram aquele relacionamento porque tinham muito o que aprender. E foi o que aconteceu.
Ao visitá-la, ganhou um presente; porém algo não estava certo:
— Humberto tenho um presente para você, mas achei tão bonito que gostaria que ficasse aqui em minha casa, tá? Você não liga?!! — disse Lívia, já decidida de que o presente ficaria com ela.
— ?... Não! — Humberto não falou uma outra palavra sequer naquele dia.
E calado foi ficando...
Resolveu, entretanto, abrir-se com Ricardo, contando sobre o presente que "não" havia recebido.
— Pense bem Humberto, o presente é seu ou dela?
— É um enfeite! Uma planta miniatura! Lívia achou muito bonita e resolveu ficar com ela. Talvez... Se eu comprasse outra igual e desse pra ela!?...
— Comprar outra igual?! Preste atenção! Você está se anulando!
— Me anulando?! Como assim?
— Não existe relacionamento sem troca. Ela gosta ou não de você? Não é tudo para ela, você também existe!
— Mas é só um presente!
— Não é assim. Ela precisa te valorizar. Aliás, você precisa se valorizar. Deixe-a sentir a sua falta. Dê um pouco menos de atenção.
— Eu não queria que o relacionamento fosse um "jogo". Gosto muito dela e quero que ela saiba disso.
— Ninguém gostará de você se você não se respeitar. Não é um jogo de más intenções, é uma brincadeira para aprender e ensinar. Lívia precisa disso, pois não o está valorizando.
— Eu prefiro a sinceridade.
— Então não tenha medo de se mostrar. Você está com medo que ela não goste de você. Isso não adianta, seja quem você é, esse é o melhor caminho. Se ela não gostar, digamos que o azar é só dela. Não há razão para temer que alguém leia nosso livro, desde que ele esteja sendo escrito com sinceridade.
— Isso parece certo! Mas não sei como mudar a situação. Sabe Ricardo, a Lívia não entendeu nada quando eu disse que a amava.
— Vou lhe ensinar algo sobre como devem ser revelados os sentimentos para as mulheres... Aproveite que é de graça! — Ricardo disse em tom divertido, supondo ser um "expert" no assunto, e continuou:
— Mesmo que você já esteja "caidasso" por ela, não esqueça, comece dizendo apenas:
Você é legal.
Depois, quando tudo estiver caminhando bem, passe para:
Eu gosto de você!
Se sentir que é correspondido, diga:
Eu gosto muito de você!
Aí, algum tempo depois poderá dizer:
Eu te adoro!
E quando for oportuno:
Estou com muita saudade!
Mas não se esqueça, somente quando sentir que já têm alguma história e que sua parceira já o conhece a ponto de entender que está sendo sincero, somente aí, deixe para dizer:
Eu te amo!
— Entendeu? - disse por fim, Ricardo, terminando a "lição".
— É engraçado pensar desse modo. E então, o que eu faço agora?
— Não posso dizer o que você deve fazer, mas lembre-se: "cada um de nós possui sua velocidade." Não se preocupe, você vai resolver isso.
Preso à sua particular velocidade para solucionar problemas, ele finalmente encetou um novo caminho.
Continuou certo de que a sinceridade era o melhor caminho para continuar seu relacionamento, ainda que ela deva ser conduzida com muito cuidado. Estava ciente do risco que corria. Foi revelar a Lívia, a visão que acabara de ter sobre seus sentimentos. E o relacionamento continuou...
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" Preso à sua particular velocidade para solucionar problemas, ele finalmente encetou um novo caminho. "
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BIVIÁRIO
Romance" A água por certo era a essência da cachoeira, mas não exatamente ela própria, que na verdade é efêmera. A água em sua eternidade, como Humberto já compreendia após observá-la na caverna, seguia seu rumo recolhendo a experiência de ter sido cachoei...