Capítulo 1

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— Alô, você é a repórter?

— Sim, pode falar.

— Por favor me ajuda, moça...Minha mãe levou um tiro agora aqui no Morro da Baiana.

A voz de criança em ritmo acelerado modulava entre a urgência e o desespero. Metralhava as palavras como se temesse não ter tempo para concluí-las.

— Quem tá falando?

— É Jéssica, moça...Ela tá sangrando muito e os polícia tão gritando, tão mandando todo mundo entrar em casa e...

—Jéssica, fala mais devagar, meu amor. Preciso entender o que aconteceu. Quantos anos você tem?

— Nove. Tenho nove anos, moça.

— A polícia está aí?

— Tá. Foi a polícia que atirou na minha mãe... Tô vendo pelo buraco da janela...Eles tão lá fora gritando com ela...

— Tem algum adulto aí com vc?

— Não. Tô sozinha. Minha mãe saiu pra comprar pão...Tô com medo... Eles tão olhando aqui pra casa.

— Calma, meu anjo. Me dá seu endereço pra eu tentar te ajudar. Qual o nome da sua mãe?

— Minha mãe é a Leninha. Aqui é na escadaria da Rua 3... Entrando pelo Valão.

— Você ligou pra mais alguém, Jéssica?

— Eu filmei eles com o celular da minha mãe...Acho que consigo tirar umas fotos também...

— Não! Jéssica, me escuta. Não precisa tirar foto não. É perigoso. Tá me ouvindo?

— Aham...Tô...Eles tão olhando pra cá... Tô com medo...

— Esconde esse celular. Não abre a porta e não faz barulho. Fica quietinha dentro de casa. Eu vou tentar te ajudar, tá? Meu nome é Clara.

— Tá...Tá bom, Clara...Mas vem logo...Por favor.

Desliguei o telefone, apertei o stop do gravador digital e respirei fundo.

Eram cinco da tarde e já me preparava para deixar o jornal, quando a estagiária que fazia a escuta me transferiu aquela ligação. Excepcionalmente naquele dia, havia chegado à redação no início da manhã. A intenção era sair mais cedo e me preparar com calma para o jantar de 50 anos do meu pai. Mas, na minha rotina, família e vida pessoal acabam sempre espremidos entre uma notícia e outra.

Quando um repórter recebe uma ligação daquelas é como um bombeiro que ouve soar o alerta de incêndio. Ou como um centroavante que recebe a bola livre, em posição legal, na entrada da grande área. A gente sente uma descarga de adrenalina percorrendo todo corpo e, quase que em um ato reflexo, faz o que tem que ser feito.

Catei a bagunça em cima da minha mesa. Celular, bloco e gravador na bolsa. Corri até o ouvido do meu chefe:

— Bira, acho que tô com uma possível manchete na mão e preciso de um fotógrafo.

— O que é?

— Falei com uma garotinha que diz ter visto a mãe ser baleada dentro da Baiana.

— Sei...

— Bira, olha pra mim. Ela diz que fez um vídeo e que foram os PMs que atiraram.

— Puta que pariu! Ainda tem local?

— Sim, foi agora.

— A mulher morreu?

— Não sei. Não quis perguntar isso pra menina, né?!

— Confirmou a ocorrência com alguém?

— Não foi trote Bira, senti na voz dela. Recebi mensagem de uma fonte que confirmou troca de tiros agora na favela.

— Clara, não sei...Vai escurecer daqui a uma hora...Aquilo lá tá barra pesada...

— Ah vai chefia, eu já estava de saída. Me arruma uma equipe boa e eu dou uma sondada lá no entorno. Se estiver complicado não entro na favela.

Chefe de reportagem é uma espécie de síndico do caos dentro de uma redação. Uma função que ninguém quer desempenhar e que não por acaso é apelidada de cadeira elétrica. Bira é um jornalista experiente e passa o dia procurando pautas, avaliando notícias, recebendo pedidos da direção e orientando os repórteres. Ele sabia que eu estava mentindo sobre não entrar na favela, mas também sabia que podíamos estar diante de uma boa história em um dia especialmente fraco de notícias. Pesou o risco-benefício da minha proposta e acabou cedendo. Não sem antes desfiar sua lista de recomendações:

— Tá certo. Mas vamos correr com o carro blindado. E quero vocês de colete o tempo inteiro, ouviu? Quero que me ligue assim que chegar lá e me descreva o cenário por telefone. Aí decidimos juntos, eu disse jun-tos, o que fazer. Não tome nenhuma decisão sem falar comigo!

Peguei um notebook, um celular do jornal e corremos para o elevador. Eu e Tião, um dos nossos mais experientes fotógrafos. Na garagem, tranquilizei-me quando vi que o motorista que sairia com o carro blindado era Seu Chico. Não havia quem conhecesse melhor a área para onde iríamos. Bira havia caprichado na escalação do time. Agora a bola estava comigo.


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#NOTA DO AUTOR:

OLÁ, SE PUDER, DEIXE UM COMENTÁRIO SOBRE ESTE CAPÍTULO. SUA OPINIÃO É MUITO IMPORTANTE. 

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OBRIGADO PELA LEITURA :)

JM COSTA

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