Capítulo 16

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Dormi por pouco mais de uma hora. Mas os sonhos entrecortados me impediram de ter um sono tranquilo. Era como se minha mente não conseguisse desacelerar. Linho ria contando dinheiro com um grupo de PMs. Jéssica me olhava com pavor enquanto uma mulher com o meu rosto usava uma tesoura de jardinagem para arrancar-lhe o dedo. Meu pai catava pães ensanguentados pelas escadas de nosso prédio. Na última cena de que me lembrava, a que me trouxe de volta ao meu quarto, eu chacoalhava dentro da caçamba da Blazer da polícia. Leninha agonizava em meu colo e esforçava-se para dizer algo. O sangue escorria abundante por sua boca, nariz e ouvidos. Antes de seus olhos vidrarem em meus braços, pediu-me que salvasse sua menina.

Às 23h eu é que fui salva, pelo despertador do celular. Acordei num sobressalto, como se finalmente pudesse respirar após um longo período em apneia. Sentada na cama, deixei que Fred Mercury cantasse por alguns segundos enquanto esfregava meus olhos e massageava o pescoço. Vinte minutos, um banho-relâmpago e um café depois já estava no carro com Seu Chico e Tião. Ao chegarmos à delegacia Anti-Sequestro, no Leblon, tive que me segurar para não cometer um delegadocídio. O filho da puta do Waldir havia chamado uma equipe de TV para acompanhar a operação. Desci do carro ensandecida e fui direto falar com ele, que estava na porta da delegacia.

— Eu confiei em você, Waldir. Porra, cara! Te passei o que apurei com exclusividade e você entrega minha história pra concorrência?

— Hey, hey, calma mocinha. Olha lá como fala

— Falo como eu quiser! Isso é no mínimo falta de respeito com o meu trabalho.

Saí tão nervosa do carro que não percebi que Waldir estava ao lado de Pereira e do delegado da Divisão de Homicídios, Mário Leitão. Só quando vi os olhos de Pereira arregalados e Leitão com uma das mãos na boca para conter o riso é que me dei conta do mal estar que criei.

Waldir deu um passo em minha direção e revirou os olhos de um jeito estranho, como se quisesse sinalizar algo. Em seguida estendeu um dos braços para que eu entrasse na delegacia:

— Senhores, vocês me dão licença para resolver uma questão rápida? Clara você pode me acompanhar?

Pereira acenou com a cabeça como se reforçasse o convite para eu entrar com Waldir na delegacia. Antes de entrar pude ver que o sorriso idiota continuava estampado no rosto de Leitão. Em sua sala, Waldir explicou que a convocação da equipe de TV havia sido feita pelo seu colega da Homicídios, que se sentiu desprestigiado com o fato de eu ter procurado outro delegado para contar a história do sequestro. Foda! Fui traída por uma crise estúpida de ciúme e vaidade masculina.

Paciência. Não seríamos mais a única equipe a acompanhar a operação, mas não ia deixar aquela história escapar das minhas mãos assim tão fácil. Teria que publicar no site o que tivesse de melhor no máximo até 6h30 da manhã, meia hora antes do telejornal matutino da concorrente ir ao ar. Era o estímulo que faltava para aumentar ainda mais a velocidade de rotação dos pensamentos em minha cabeça. Entrei no banheiro, lavei o rosto, retoquei o batom e saí da delegacia aparentando uma calma que definitivamente não me acompanhava naquele momento. A vontade de dar na cara do delegado ainda estava lá. Apenas havia se transferido de Waldir para o babaca do Leitão.

À meia-noite saímos em comboio do Leblon rumo à Avenida Brasil. Contando os carros do jornal e da TV éramos 11 veículos, divididos em três pequenos grupos para não chamar a atenção. Contornamos a orla da Lagoa Rodrigo de Freitas sob a proteção da lua cheia, e abraçados pelo Cristo lá no alto do Morro do Corcovado. Apesar da ventania, o céu estrelado anunciava praia para o dia seguinte. De repente me dei conta de que há mais de dois meses não pisava na areia. Logo eu que sempre tive o mar como minha maior fonte de energia. Fiz uma promessa interna. Se as coisas terminassem bem para Jéssica naquela madrugada eu não retornaria para casa sem antes visitar o mar para agradecer a Deus.

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