Capítulo 19

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#ESTAMOS A APENAS TRÊS CAPÍTULOS DO FINAL!  

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Estar na redação do Diário de madrugada era tão estranho como passear sozinha pelas ruas de uma cidade abandonada. Dezenas de computadores sem vida; TVs desligadas; telefones que não tocam; ninguém fala alto do seu lado enquanto você tenta se concentrar no que vai escrever... Até que me dei conta de que eu não devia estar sozinha ali. Precisava encontrar o Mário.

Deixei o computador iniciando em minha mesa e corri até a sala de entrevistas, ao lado da ilha de edição. Mário, o editor de vídeo escalado por Bárbara, roncava sem cerimônia, encolhido em um sofá de dois lugares. Bati na porta já do lado de dentro, acendi as luzes e, antes de ouvir o seu bom dia, despejei-lhe a câmera de vídeo e o cartão de memória com as fotos feitas por Tião.

— Hã? Oi, bom dia, Clara! Desculpa, acabei pegando no sono enquanto te esperava. E aí... Tem alguma coisa pra mim?

— Mário, o que eu tenho é uma bomba atômica! Mas temos que ser bem rápidos. Preciso que você finalize o material e coloque no sistema antes das 6h. Não podemos correr o risco de a TV mostrar imagens dessa história antes de nós.

— Isso é mole pra nóis, Clarinha. É só me passar o roteiro. Como você vai querer?

Resumi a noite mais tensa da minha vida em menos de três minutos e pedi que Mário fizesse o mesmo com as imagens de Tião. O vídeo começaria mostrando a chegada dos PMs à loja de conveniência, seguiria com o encontro do comandante com Linho, e terminaria com a fuga dos traficantes e a prisão dos policiais. Cada um dos momentos seria aberto por uma cartela simples com uma legenda explicativa do que seria exibido a seguir. Dei a ele também um video que fiz, do meu celular, no local onde o bando de Linho foi encurralado, próximo à Baiana.

Enquanto Mário editava as imagens, incluindo alguns inserts de fotos do Tião, conectei o relógio-espião na USB do meu computador e encontrei o que precisava para a próxima manchete do jornal impresso. Linho não só tinha gravado o áudio de sua conversa com o Coronel Borges, como também havia conseguido enquadrar o rosto do comandante em vários momentos do encontro. Meu coração quase explodiu de ansiedade. Mas aquilo era material exclusivo e delicado. Precisava ser analisado com calma. E eu já estava bem atrasada.

Às 5h da manhã, subi um post curto no site do jornal com a manchete "CORONEL E PMs SÃO PRESOS POR SEQUESTRO DE MENINA DA BAIANA". A foto não poderia ser outra: a dos PMs algemados ao lado da mala de dinheiro. Bati a nota rápido, mas levei mais de 10 minutos ponderando se publicava com aquele título e aquela foto. Era grave demais. Não tinha um editor ali para avalisar. Pensei em ligar para o Romero ou para o Bira, mas dificilmente eles iriam querer bancar aquela manchete sem consultar um executivo. Isso podia levar algum tempo.

Eu tinha um delegado dando voz de prisão ao coronel e seus homens, por conta do sequestro. Tinha a imagem de todos algemados. Decidi bancar o furo. Além do receio de algum outro veículo publicar antes, não queria correr o risco de receber uma ordem para suavizar a notícia. Não seria a primeira vez. Mesmo com seu perfil combativo, o DC era administrado por empresários. E volta e meia recebíamos na redação orientações para aliviar ou intensificar a pegada na cobertura sobre determinado assunto. Um jogo de morde e assopra comum a todos os veículos de comunicação.

Apertei o enter consciente dos riscos que assumi. Fiz uma pesquisa rápida e me tranquilizei ao ver que era a primeira notícia postada sobre o assunto. Agora tinha que trabalhar rápido para engordar aquela matéria e recheá-la de detalhes, declarações e imagens.

A reportagem estava completa no site às 6h da manhã, meia hora antes do jornal da concorrência entrar no ar pela TV. O subtítulo reforçou o impacto da primeira manchete, publicada uma hora antes: "Video mostra oficial recebendo mala de dinheiro das mãos do chefe do tráfico na Baiana". Narrei tudo o que havia acontecido naquele posto, ilustrei com várias fotos feitas por Tião e atualizei já com o video editado pelo Mário. Durante o tiroteio nossa câmera flagrou o exato momento em que uma bala estilhaçou a janela do andar em que estávamos. Mário incluiu esse insert no vídeo editado, imprimindo uma boa dose de dramaticidade ao material.

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