Cruzamos de volta a Rua do Valão em alta velocidade e já com a noite caindo. Enquanto respirávamos para baixar a adrenalina, liguei para a redação:
— Oi Bira, sou eu. Vou precisar de mais ajuda.
— Clara, primeiro eu quero saber por que é que você, sua garota maluca, desobedeceu a minha ordem e entrou no morro?
— Chefe eu tô bem. Deu tudo certo, já saímos da favela e estamos tentando descobrir para onde levaram a baleada. Achamos o local onde aconteceu, mas a polícia já tinha socorrido ela. Tião fez boas fotos do local
— Tinha mais alguém da imprensa lá?
— Não. Por enquanto estamos sozinhos nessa história. Mas temos que varrer os hospitais e chegar na mulher baleada antes que a concorrência descubra o que houve.
— Qual o nome da vítima?
— Acho que é Helena, não tenho certeza ainda.
— Acho? Acho, Clara? Porra, você entra no morro e sai com um "eu acho"? Tão querendo arrancar o meu saco aqui e cobrando um post no site dessa merda porque o caralho da audiência tá uma bosta.
— Bira, não encontrei a menina e só tinha uma poça de sangue no chão. Ainda não sei o que aconteceu, mas tô me esforçando, tá? Ninguém aqui no morro quis falar e fomos expulsos por bandidos armados. Agora manda esse povo do online que ta aí no ar-condicionado tomar no cú e me ajuda! Por favor, chefe...
— Tá. Tá certo, Clara. Vou comprar o seu barulho porque você me pediu com jeito. Mas quando chegar aqui vamos conversar sério. O Roger vai fazer uma ronda por telefone pelos hospitais. Vai batendo bola com ele.
O Bira era uma das poucas pessoas naquela redação que já tinham me ouvido falar palavrões. E a única com a qual eu não me envergonhava quando precisava usá-los. A verdade é que às vezes só era possível travar um diálogo com ele em seu próprio dialeto. Seguimos para o Hospital Municipal Getúlio Vargas, a emergência mais próxima da Baiana.
Desde que traficantes do Complexo do Alemão torturaram e mataram o jornalista Tim Lopes, em 2002, as regras de segurança para cobertura em favelas ficaram mais rígidas no Rio de Janeiro. Eu sabia que o jornal tinha seus motivos para se preocupar, mas na rua às vezes a gente precisa correr riscos. Eu não entraria sozinha à noite naquela favela. Pelo menos eu acho que não. Mas ainda claro e vendo um carro de polícia cantando pneu ao deixar uma rua de onde, minutos antes, uma garotinha havia me pedido socorro...Não dava para ignorar.
Enquanto Seu Chico costurava no trânsito rumo ao hospital, liguei o notebook no banco de trás do carro. Para garantir um back up, baixei as imagens que havia copiado em meu celular para o note também. Em seguida, loguei no Face. Busquei o nick que peguei no celular na Baiana e lá estava a foto de Leninha, bochecha colada com a menina. Dessa vez a criança aparecia marcada como Jéssica Arauto. Yess! Agora já tinha um sobrenome.
Liguei para Pereira. Uma fonte no departamento de investigação de paradeiros da polícia civil. Pelo WhatsApp mandei para ele a foto do casal abraçado, a da mulher com a menina e disse que estava precisando identificar os três. A mulher, moradora da Baiana, possivelmente Helena Arauto. E a menina sua filha Jéssica Arauto. Passei também o número do celular do qual a menina me telefonou.
Chegando ao Hospital Getúlio Vargas, notei um fusca azul estacionado na porta da emergência. A mesma placa do que cruzou com a gente na Rua do Valão. Fui direto para a sala de polícia do hospital, onde o agente de plantão me garantiu que nenhum baleado havia chegado entre aquela tarde e início de noite.
Na redação, Roger também não havia avançado. Nenhum hospital ou pronto-socorro em um perímetro de 15 km havia recebido uma vítima baleada. A assessoria de comunicação da polícia dizia desconhecer qualquer ocorrência na Baiana. Sequer confirmavam ter havido troca de tiros por lá. Pedi a Roger que continuasse monitorando, mas diante dos fatos resolvi jogar pesado. Liguei direto para o celular funcional do comandante do batalhão daquela área, o 16º BPM.
— Alô, comandante Borges?
— Sim, quem está falando?
— Aqui é Clara, repórter do Diário Carioca. Eu estou buscando informações sobre uma moradora baleada há cerca de 1 hora e meia no Morro da Baiana.
— Não estou sabendo.
— Comandante, há cinquenta minutos falei com o sargento Braga, de uma das guarnições do seu batalhão, que ajudou a socorrer a vítima. Falei pessoalmente porque estava lá na favela e também anotei as placas e numerações das viaturas que saíram em disparada de lá para socorrê-la. Só que não encontro a mulher baleada em hospital algum. Será que com esses dados o senhor consegue me ajudar?
— Você está sendo irônica, garota?
— De forma alguma, comandante. Estou apenas fazendo meu trabalho e tentando descobrir por que essa mulher, socorrida por seus homens, ainda não apareceu no hospital, que fica a 10 minutos do local da ocorrência.
— Vou procurar me informar sobre o que houve. Me liga em 15 minutos.
A voz do comandante mudou quando pronunciou a última frase antes de desligar. Nós dois sabíamos que os sinais apontavam para algo muito estranho naquela história.
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#NOTA DO AUTOR:
E AÍ? TÁ GOSTANDO DA HISTÓRIA? DÚVIDAS? SUGESTÕES? SE PUDER, DEIXE UM COMENTÁRIO SOBRE ESTE CAPÍTULO OU SOBRE A TRAMA.
OBRIGADO PELA LEITURA :)
JM COSTA
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PRIMEIRA PÁGINA - Conflito na Baiana
ActionEm uma trama acelerada, tensa e totalmente viciante, a denúncia de uma menina de 9 anos coloca a jovem repórter Clara Gabo diante de um crime brutal, que pode abalar as estruturas da Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro. Quando sua matéria g...