Capítulo Final

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De volta à minha mesa, liguei para o Pereira. Ele estava possesso com a manobra da defesa do coronel Borges. Poucas vezes o vi tão fora do prumo. Reclamou porque não retornei suas mensagens, vociferou algo sobre acabar com Del Cali, mas no fim descobri o motivo principal de sua ira. 

O governador havia exigido cuidado redobrado em relação ao caso. Ligara pessoalmente para o chefe de polícia civil, que pediu cautela a Waldir e Leitão, os dois delegados envolvidos nas investigações. A cascata de recomendações chegou até Pereira. A ordem era não mexer mais no assunto e aguardar que a imprensa baixasse a temperatura na cobertura da história.

Aquele movimento todo era clássico dos casos defendidos por Del Cali. Algo ainda novo para mim, mas já bem experimentado por Pereira. Segundo ele, toda vez que uma autoridade ou um oficial de alta patente se envolvia em um crime grave Del Cali era acionado. E então, como por mágica, as coisas começavam a desacelerar. Era como se os poderes que compõem o Estado abrissem mão de sua pseudoindependência e unissem forças para evitar um mal maior.

O pior era ver aquele que deveria ser o mais independente dos poderes, a Imprensa, ir pelo mesmo caminho. A julgar pela manchete do DC espelhada para a edição do dia seguinte, não duvidaria que o governador também tivesse conversado com os acionistas do jornal. 

Às 19h30, duas horas antes do início da impressão do Diário, a nossa primeira página exibia uma vergonhosa manchete na tela do diagramador: "POLÍCIA INVESTIGA SE RIVAIS DE LINHO TENTARAM INCRIMINAR PM".

— Clara, já vi isso acontecer um milhão de vezes. Não vai dar em nada. Vão concluir o inquérito com Leninha morta por traficantes e Jéssica sequestrada por bandidos rivais. Depois quando a poeira baixar, os PMs serão transferidos para outro quartel. O processo vai se arrastar por alguns anos até ser arquivado. Isso se não encontrarem um bucha vivo para assumir participação no sequestro e confirmar toda a palhaçada inventada pelo Borges e Del Cali — Pereira cuspiu as palavras como uma metralhadora, até que encontrei uma brecha para interrompê-lo:

— Posso falar agora?

— Fala...

— E se vocês divulgassem o áudio que gravaram da conversa entre os dois?

Silêncio. Não sei se para respirar ou para tentar decifrar minha pergunta. Mas quase podia ouvi-lo raciocinando...

— Áudio? Que áudio?

— Aquele áudio que vocês fizeram com a escuta que plantaram lá no posto de gasolina?

— Hã? Do que você está falando, Clara? Pelo amor de Deus, você fumou alguma coisa?

— Porra Pereira, me ajuda! Olha o que acabou de chegar no seu e-mail.

Novo silêncio. Dessa vez interrompido por uma frase minha que finalizou a ligação:

— Preciso de uma resposta em no máximo 10 minutos.

A mensagem que mandei para o Pereira tinha três linhas e um arquivo anexo com o video da conversa entre o coronel Borges e Linho, gravado do meu relógio-espião. O suficiente para que ele entrasse no jogo. Em pouco mais de 5 minutos recebi um whatsApp dele:

"Clara, você é completamente maluca. Mas pode funcionar. Me dá 10 minutos pra negociar com o Leitão e já te retorno".

"Com o Leitão, não! Não confio nele!", respondi de bate-pronto. Agora era eu quem estava possessa. Imagina?! Entregar o que tinha de melhor na mão do cara que abriu minha história para a concorrência... Nunca!

Mas minha relutância não sobreviveu à mensagem seguinte de Pereira. Segundo ele, Waldir não ia querer peitar o governador. Já Leitão, que estaria tão puto quanto nós com a manobra de Del Cali, era mais fácil de ser convencido pela vaidade. Receber o mérito pela astúcia de plantar uma escuta no lugar certo... Desmascarar Borges e Del Cali publicamente... Um escândalo daqueles renderia um monte de entrevistas. Leitão não ia resistir, dizia Pereira.

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