Capítulo 20

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Acordei às 14h com minha mãe abrindo as cortinas do meu quarto e me convocando para o almoço. Meus olhos, pesados demais para se abrirem por completo, tiveram uma súbita melhora quando a ouvi dizer que meu pai estava na sala esperando para almoçar conosco. Sua presença em casa àquela hora significava que, por algum motivo importante, ele havia saído mais cedo do trabalho, algo muito raro para uma quinta-feira. Mas foi a forma como ela anunciou a presença dele que me intrigou. Pude sentir no tom que algo não ia bem.

Quando apareci na sala, já de banho tomado e arrumada para o trabalho, meu pai e minha mãe me aguardavam na mesa com aquele clima de reunião de família. Fingi não perceber. Dei um beijo em cada um e sentei na cabeceira entre os dois. Na outra ponta da mesa o notebook do meu pai exibia a home do DC on line, com a matéria que escrevi sobre a operação da madrugada. Sobre o teclado, um exemplar da edição impressa do Diário, com a manchete do sequestro de Jéssica na primeira página.

Minha mãe foi a primeira a quebrar o silêncio, logo depois que Tetê nos serviu uma suculenta lasanha:

— Clara, por que você não se abre com a gente e diz o que está acontecendo? Seu pai veio mais cedo do trabalho para conversarmos com você.

— Como assim mãe? Tá falando exatamente de quê?

— Você fez alguma coisa errada, minha filha. Se fez pode falar, a gente te ajuda a resolver.

—­ Mãe, agora eu é que tô ficando preocupada. Do que você está falando?

Meu pai, sempre mais direto, interferiu:

— Clara, por favor, me diz que o carro de polícia parado aqui na nossa portaria, e essas flores entregues a mando de um tal de sargento Braga, não têm nada a ver com as matérias que você publicou hoje no site e no jornal.

Corri para a janela e lá estava, na calçada em frente ao meu prédio, uma viatura da polícia civil, com dois agentes do lado de fora. O arranjo de rosas em um jarro ao lado do sofá não tinha cartão.

— Quem você disse que mandou essas flores, pai?

— Deixaram na portaria aos seus cuidados. Mandaram entregar a você e falar que foram enviadas pelo sargento Braga. Sabe quem é?

— Filha, olha pra sua mãe, você está namorando algum militar?

— Claro que não, mãe. Essa história está muito estranha. Vou pro jornal pra saber o que está acontecendo.

— Não Clara, você não vai.

— Como é, pai?

— Eles estão vindo pra cá...

— Oi? Eles quem, gente?  Vocês querem me enlouquecer?  Quantos dias eu dormi?

— Filha o seu chefe, Uribatan, está vindo pra cá. Ligou cedo para sua mãe e pediu para que não deixássemos você sair sozinha de casa. Disse que passaria aqui com um carro do jornal para te pegar depois do almoço e explicaria tudo. Sua mãe ficou apavorada e me ligou na clínica.

De repente tudo começava a fazer sentido. Corri no meu celular, que dormiu carregando no silencioso, e olhei as mensagens. Várias ligações do jornal e do Pereira não atendidas. Um WhatsApp do meu editor dizia: "Clara, não saia de casa. Eu ou o Bira vamos te buscar com escolta. A inteligência da polícia recebeu denúncia de possíveis retaliações contra você e Tião"

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Às 15h um carro do jornal seguido por um outro veículo, que mais tarde eu descobriria ser de uma empresa de segurança particular, parou na minha portaria. Cinco minutos depois, meu chefe desbocado encarnava um homem gentil e educado bem no meio da minha sala. Paciente, ele tentava tranquilizar Dona Sueli e Seu Fernando, meus pais. Bira disse-lhes que a escolta contratada pelo jornal era apenas uma precaução de praxe porque eu estava envolvida em uma cobertura muito delicada.

Habilidoso, Bira não demorou a conduzir minha mãe do susto ao encantamento com os elogios que fez ao meu trabalho. E ela só sossegou quando ele aceitou um café com seus famosos biscoitos amanteigados. Era pretexto, na verdade, para ela ganhar tempo e pedir a ele que me desse matérias "menos pesadas" como a de gastronomia com cheffs de restaurante "que eu estava fazendo dia desses". Bira olhou para mim, sorriu e fingiu saber do que se tratava. E eu estava sendo castigada pela segunda vez em dois dias por mentir para minha pobre mãe.

Na saída, meu pai foi comigo e com o Bira até o elevador. Longe dos olhares preocupados de minha mãe, Seu Fernando perguntou ao meu chefe qual era a real situação. Bira contou sobre os informes de possíveis retaliações contra a equipe do jornal e adiantou que a partir daquele dia eu receberia 15 dias de folga para me afastar um pouco da linha de frente daquele caso. A escolta contratada pelo jornal ficaria comigo e um carro da polícia civil permaneceria em frente ao nosso prédio durante todo esse período.

No caminho para o DC, Bira me disse que a direção do jornal decidira não publicar o material gravado com Linho. Nem o video do telefonema com ele combinando o pagamento do sequestro, nem as imagens feitas por ele com meu relógio no posto. E muito menos sua "mensagem para a sociedade". Leia-se por não publicar nem sequer citar a existência do conteúdo. Fiquei louca... 

Estavam censurando o que eu tinha de melhor. Não ia aceitar aquilo sem lutar, não mesmo!


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