Capítulo 11

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Montamos, eu e Anderson, cada um na garupa de um mototáxi. Durante a primeira parte do trajeto, com a moto dele sempre liderando o percurso, seguimos pela Rua do Valão e entramos à esquerda na Rua 3, mesma ladeira em que estive no dia anterior. Senti um calafrio ao passar em frente à escadaria onde ficava a casa de Leninha. Estávamos em alta velocidade, mas pude ver flores, velas acesas sobre os degraus e uma faixa com a palavra Justiça. Ainda olhava para trás tentando captar mais detalhes, quando o piloto gritou para que eu me segurasse com firmeza e fechasse a viseira do capacete.

Com menos de dois minutos de subida, os paralelepípedos deram lugar à terra batida e uma nuvem de pó barrento fez sumir a moto de Anderson à nossa frente. Após um ritmado vai e vem em vôo cego, deixamos a poeira para trás e viramos à direita em um beco íngreme, com chão de cimento e pedrinhas irregulares. A moto quicava feito uma betoneira e eu abraçava a cintura do meu piloto como um náufrago agarrado a um destroço em alto mar. Seguimos por corredores tão estreitos que minha sensação era de que a qualquer momento entalaríamos em uma daquelas vielas.

Não sei se foi a trepidação, o efeito claustrofóbico, a alternância de curvas ou tudo isso junto em nossa subida, mas um excesso de saliva amarga inundou minha boca e comecei a ficar tonta. Abri a viseira, passei a inspirar e expirar lentamente. Só que o exercício de respiração esbarrou em outro problema: um forte cheiro de merda. O esgoto corria in natura por estreitas valas abertas nas laterais do nosso caminho. Tornei a descer a viseira e dessa vez fechei os olhos também. Presa dentro do capacete eu me sentia resistindo a um estrangulamento indefensável.

E se traficantes rivais ou a polícia começassem um tiroteio? E se meu celular não pegasse lá em cima? E se aquilo tudo fosse uma armadilha, como cogitou Pereira? Uma artimanha do dono do morro para se vingar da repórter cuja matéria fez inflacionar o preço do resgate por sua filha... E se minha mãe soubesse onde eu estava? Meu cérebro era bombardeado por uma chuva de interrogações. Lutava para não perder o controle, para afastar os maus pensamentos e, Deus, para me manter lúcida na garupa daquela moto.

De repente paramos. Abri os olhos e estávamos diante de uma barreira formada por três garotos magrelos que não aparentavam mais do que 15 anos. Dois seguravam fuzis cruzados à frente do peito. O menor deles, sem camisa, tinha um rádio transmissor e uma pistola prateada na cintura. Falaram com Anderson, na moto da frente e passaram alguma mensagem por rádio em um código que não me esforcei para entender. Eu só queria vomitar e aquela era a minha deixa. Melhor desabar ali do que na frente de Linho, pensei.

Desmontei da moto, tirei o capacete e mal tive tempo de segurar o cabelo acima da cabeça antes que a primeira golfada explodisse entre o chão e a parede. Perdi a conta dos jatos espessos que se seguiram, em meio a contrações e grunidos involuntários que quase não me deixavam respirar. Em poucos segundos já não havia o que colocar para fora, mas eu continuava ali: curvada, arfando com a boca entreaberta, tentando controlar os espasmos. Com a mão direita espalmada na parede, observava o vômito amarelo se misturar ao curso de esgoto que corria pela vala lateral entre o chão e a parede; cuspia e tentava me livrar da baba azeda que ainda me provocava ânsia.

Fui chamada de volta à Terra pelo garoto do radinho. Ele tocou meu ombro com um copo com água gelada:

— Caralho, tia! Chamou o Raul bonito hein?!

Peguei o copo d'água, bochechei o primeiro gole, fiz um rápido gargarejo e cuspi. Já com a cabeça erguida, enquanto bebia o restante da água, deparei-me com uma cena inusitada. Os dois motoqueiros, Anderson e os três garotos armados observavam-me em absoluto silêncio. Suas expressões denunciavam um meio-termo entre a surpresa e o nojo. Impressionante como os homens obedecem a um mesmo padrão de comportamento, independente da idade. Idealizam-nos como flores do campo e quase sempre se espantam quando nos revelamos tão humanas quanto eles.

— E aí, podemos continuar? — perguntei com um sorriso irônico, sem esperar a resposta para improvisar um coque baixo, recolocar o capacete e estender o braço com o copo vazio.

Montei na moto com a confiança restabelecida. De alguma forma aquela parada serviu para devolver meu equilíbrio. Foi como se eu tivesse exorcizado todos os meus demônios de uma só vez naquela catarse escatológica. Sabia que seria preciso tentar agir com naturalidade na frente de Linho. Voltava a me sentir mais preparada para o desafio. Ou pelo menos tentava me convencer de que sim.

Seguimos por mais uns cinco minutos entre becos e vielas. Em quase todas vi jovens e homens armados. Contornamos um campo de futebol de terra batida e grama rala. Em vez de garotos jogando bola, chamou a minha atenção a quantidade de pessoas arrumando dezenas de mesas, toalhas e cadeiras como se preparassem uma festa. Andamos mais uns 30 metros até que as motos estacionaram em frente à varanda de uma casa antiga com pintura descascada.

Descemos das motos e Anderson tocou três vezes um sino pendurado do lado de fora da varanda. Aproveitei para ligar o celular na minha bolsa e mandar uma mensagem para o Tião avisando que chegara bem lá em cima. Dei uma tapeada no cabelo maltratado pelo capacete e ainda desamassava minha roupa quando a porta da casa se abriu. Lá de dentro saíram dois, quatro, oito homens armados. Forte e ostensivamente armados. Atrás deles estava Linho. Pouco lembrava o jovem sorridente ao lado de Leninha no porta-retratos. Mas, apesar dos óculos escuros, o reconheci na hora pela foto no cartaz de procurado que Pereira havia me enviado.

Ele e Anderson se abraçaram em silêncio por alguns poucos segundos, como se quisessem confortar um ao outro. Ao se afastarem, Linho voltou-se para mim e disparou com uma voz rouca e arrastada:

— Clara Gabo? Então foi você? Você que resolveu se meter onde não foi chamada e fodeu ainda mais a minha vida.

Lutei para não transparecer o cagaço que tomou conta de mim naquele momento. Juro que preferia usar uma expressão mais elegante, mas não há palavra que melhor defina o frio cortante que me tomou o corpo e me secou a garganta.

Estava bem claro que não se tratava de uma reunião de boas-vindas. Eu aceitara o risco, mas talvez tivesse ido longe demais. Parte de mim considerou correr morro abaixo gritando por socorro. Mas o lado racional segurou a onda. Sabia que uma atitude tresloucada só pioraria tudo. Precisava manter a calma para tentar entender o que estava acontecendo.


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