» Capítulo um «

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"ESTA É A TERCEIRA vez em toda a minha vida, que refaço este processo. Preciso registrar as minhas façanhas de algum modo, e nada melhor que começar com um diário de Barbara Skrlová, o sombrio diário de uma mulher deplorável presa a um corpo de uma adolescente. Todos os tipos de exploração já sofri, seja por amigos, até mesmo pela minha própria família. Mas um fato irei deixar bem claro entre as linhas tênue deste diário:

Eles. irão. pagar." - Ela pressionou de forma intensa, a caneta roxo-caixão contra o diário com a capa de um vermelho encorpado. Barbara fazia questão de expressar todo o seu ódio nas suas palavras. Com toda certeza, em vão elas não passariam.

Naquela manhã de inverno, em um pequeno casebre localizado nas redondezas de um velho subúrbio de Paris, entre o verde morto da natureza, a pequena mulher se empoleirava cada vez mais em seu casaco, um horrendo plágio de pele de urso. Ela tentava se policiar contra o inverno que a pegara de surpresa no início daquela semana. Ela estava completamente pérfida pelo seu grande feito, fugir das garras de seu tio Finnick.

Barbara ainda projetava o rosto insolúvel de seu tio nas labaredas que dançavam com exatidão na lareira inerte e fria. Seus cabelos possuíam o mesmo formato das pontas pontiagudas do fogaréu, que crepitava a todo momento, libertando pequenas centelhas cintilantes pelo ar, como pequeninos vagalumes mortais. Ela ainda conseguia sentir o incômodo do olhar de seu tio, ficou inerte em sua poltrona tremendo os lábios e relembrando o verde dos olhos de Finnick, semelhantes aos seus; eles ainda lhe assombravam em seus sonhos, demonstrando impunidade e frieza. Cada marca de idade que emergiam no canto de seus olhos ao abrir um sorriso assombroso, representava cada alma que Fin levou para o inferno. Mas, naquela manhã pálida e imponente, Barbara repetia em sua mente várias e várias vezes que, "quem agora desceria para o inferno sem passagem de volta seria ele". E para a sua amada família seria o mesmo; claro que, para Constance Skrlová, uma renomada apreciadora de vinho, e dona de uma das mais refinadas marcas de vinho tinto de toda a França, não iria se conformar com uma filha que leva uma rara doença glandular nas costas morando em sua mansão para o resto de seus dias; para uma mulher como Constance, seria um verdadeiro pesadelo ter uma filha fracassada, que nem ao menos conseguiu seguir a diante com seu curso de direito, se tornando um grande fardo em seus vinte e oito anos de vida. Constance não pensou duas vezes em deserdar Barbara, e entregá-la ao seu irmão psicopata.

Já o sr. Skrlová, que outrora, defendia a sua filha mais velha com unhas e dentes, não poderia levantar de seu túmulo para reivindicar a dignidade da filha. Ele era o último vestígio de esperança para Barbara, mas a morte chega para todos, e para Wilder Skrlová, não seria diferente.

Para a infelicidade de Barbara, a morte chegou prematuramente para Wilder, ele ainda alimentava sonhos e objetivos para serem alcançados no ramo da imobiliária, mas a linha férrea é uma zona de perigo quando se está embebedado. Desde então, Barbara e a sua família caíram na desgraça.

A caçula dos Skrlová, Louise, se tornou uma revoltada da vida, nem se importou com a sua própria irmã, que sofria nas garras de Constance; saindo sem rumo pelo mundo, e traficando drogas com o seu namorado.

O filho do meio, Pierre Skrlová, herdou a empresa do pai, que faliu na semana seguinte.

E por fim, e não menos importante, Barbara Skrlová, que não se conformou com a morte de Wilder, que morreu juntamente com o afeto que Barbara sentia pela própria mãe; se afogou em um denso estado de depressão, que desencadeou a esquizofrenia, e desde então, diz ver o seu pai todos os dias, lhe dando conselhos, um tanto, peculiares.

Farta de assistir o rosto de Finnick flamejar em sua lareira, Barbara cessa o fogo, que se dissolve na pequena montanha cinzenta acumulada nos cantos da lareira com pequenos tijolos a mostra. Ela fechou o seu casaco, se voltando para a janela, que lhe cedia a paisagem de toda a Paris. Mesmo sendo um casebre humilde, localizado no pico de um pequeno planalto, ele tinha as sua vantagens. De lá, via o centro de Paris, que se despertava aos poucos, juntamente aos trabalhadores que logo preencheriam as ruas cinzentas como um carvão que se torna pó.

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