» Capítulo vinte «

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  A PARTE MAIS FÁCIL já havia sido concluída. Mas Barbara teve que lidar com a parte mais difícil em um assassinato:

 Livrar-se do corpo e das provas do crime.

  Uma das fraquezas de nossa protagonista era idealizar o crime perfeito e fracassar miseravelmente. Ela já havia pecado no assassinato de sua família, afinal, em pouco tempo as provas do crime gritavam o nome de Barbara e tudo indicava ela como a assassina. E por mais que a moça tenha se esforçado para pensar em uma boa alternativa para se livrar da sangria ao seu redor, o máximo que Barbara conseguiu cogitar foi em encher o caminhão com pedras e jogá-lo no rio à sua frente. Entretanto, ele não era profundo o bastante, somente a metade do caminhão ficaria submerso e oculto.

  Portanto, Barbara pensou em colocar o corpo de Tristan em uma mochila, juntamente com uma porção de pedras e jogá-lo no rio, deixando o caminhão em uma floresta qualquer, queimando todas as provas e incendiando o automóvel. Entretanto, Tristan era muito corpulento e não caberia em uma mochila, nem mesmo se Barbara o cortasse em pedacinhos. Quanto à queima do caminhão e das provas, o fogo e a fumaça chamariam a atenção dos moradores dos arredores. Sem falar que o cheiro de fumaça denunciaria a menina.

  Era preciso que Barbara arrumasse um modo rápido e discreto de se livrar de seu crime, afinal, sua família estava a sua espera, não podia demorar mais do que já havia demorado.

  Sendo assim, Barbara se livrou de todas as fotos suas e as manchetes que estampavam as paredes da carroceria. Enquanto limpava o excesso de sangue que impregnava o local, a moça notou que uma das pranchas de madeira, que constituíam o chão da carroceria, estava solta. Foi assim que Barbara descobriu que havia uma espécie de compartimento secreto que se assemelhava muito a um... caixão.

  Uma sensação de estranheza percorreu o corpo da moça. Ela sentiu que aquele pequeno compartimento fora feito para se encaixar perfeitamente ao seu corpo. Barbara sentiu seu estômago revirar e engoliu em seco, afastando-se momentaneamente do local para buscar o corpo mutilado de Tristan.

  Com muito esforço, a menina arrastou o homem até a carroceria e o pôs no compartimento, que para sua sorte, era fundo o bastante para encaixá-lo com as pernas dobradas. Barbara puxou uma pequena peça de aço, que trouxe consigo uma espécie de tampa sobre o compartimento. Isto, de certa forma, lhe traria alguns dias de vantagem.

 Em seguida, Barbara dirigiu – com muita dificuldade – o caminhão de Tristan até algumas ruelas no final da cidade, que não se localizava muito distante de onde sua família estava. Adentrando em um beco escuro, Barbara se deparou com um ferro-velho completamente abandonado. Ela estacionou o caminhão atrás do prédio aos pedaços, escondendo-o atrás de uma porção de árvores desnudadas.

  Barbara se livrou da camiseta embebida de sangue em seu corpo – que lhe serviu como uma espécie de avental para não sujar as suas roupas com os fluidos de Tristan durante a tortura –, passou as mãos pelas suas vestes, para tirar alguns sinais de amassos, trancou bem o caminhão e saiu correndo dali.

  Os poucos ruídos que era possível distinguir advinham dos seus passos descompassados, dos sussurros das árvores nuas batendo seus galhos umas nas outras com a ventania fria e de algumas folhas escuras rolando no chão, indo na direção contrária à de Barbara.

  Mesmo sendo um lugar longínquo, mais cedo ou mais tarde alguém encontraria o caminhão e iria expor o crime de Barbara aos quatro ventos. Barbara sentiu a necessidade de planejar uma forma de fugir de Oslo, ou até mesmo, da Noruega. Não podia se dar ao luxo de ficar e ser descoberta.

  Embora estivesse cansada de despistar a polícia, ela teria que abandonar tudo o que conquistou em Oslo e ir para algum lugar deserto, onde poderia finalmente viver em paz e não ter que fingir ser alguém que não é ou machucar mais pessoas, mesmo que ela ainda levasse consigo aquela necessidade de cometer atos escabrosos.

  Mais tarde, naquele mesmo dia, a família Werner havia voltado para casa incompleta. O primogênito de Clarisse e Dexter estava na casa de um amigo qualquer, e quanto a Andrew, fora convidado a passar a noite na casa de uma garota, a mesma que conversara com o menino no evento. No restante daquele dia exaustivo seria somente Clarisse, Dexter e Barbara.

  A menina, sozinha em seu quarto, sentiu a água quente deslizar em sua pele branca, que tomou, aos poucos, uma coloração avermelhada devido a temperatura da água. O vapor cálido abraçou Barbara cada vez mais. Após desligar o chuveiro, ela se abrigou em uma toalha macia e limpou o espelho embaçado, vendo a imagem de si mesma de forma distorcida e... acompanhada?!

  Um espectro obscuro com a feição mórbida de Tristan olhava diretamente para Barbara. A menina virou-se para trás com o coração à mil, dando de cara com a porta do banheiro e... nada mais. Ela abaixou a cabeça e sua fisionomia contorceu-se em angústia. As últimas palavras de Tristan emergiram de seu subconsciente como vozes perturbadoras que inundaram a cabeça da garota.

  Ela girou em seus calcanhares e encarou seu reflexo novamente. E desta vez, ao invés do espírito de Tristan às suas costas, ela avistou no espelho sutilmente brumado, a representação distorcida de si mesma coberta de sangue. No mesmo instante, Barbara colocou suas mãos em seus lábios, impedindo a si mesma de gritar e chamar atenção de sua família. A menina sentou-se no chão úmido e olhou para as suas mãos em um tom fúnebre de escarlate. A sua frente, a presença incorpórea de Tristan sorria de forma perturbadora.

  — Mas deixa eu lhe contar um pequeno fato: Você é como todos a quem te fizeram tanto mal. Você se tornou as pessoas pela qual você se vingou – Tristan começou a repetir o que as vozes na cabeça de Barbara diziam. – E sinto em informar que todas elas, neste exato momento, estão mortas. Inclusive eu.

  Barbara começou a chorar compulsivamente e saiu correndo do banheiro. As vozes giravam em sua mente, tomando da moça todo o seu ideal de paz. Ela deitou em sua cama em posição fetal, com as palmas das mãos em seus ouvidos. Ela suplicava para que as vozes parassem, desejava estar em paz e soluçava com angústia.

  Alguém irrompeu o quarto da moça. Barbara virou-se para o lado oposto da porta e tentou conter os soluços, com medo de ser Clarisse ou Dexter. Afinal, o que ela diria? Não poderia falar a verdade, não conseguiria. Sentiu alguém virá-la para o outro lado e abraça-la. As madeixas negras de Mina acariciavam o rosto de Barbara, lhe trazendo alívio e conforto.

  — Ei, não chore, tudo vai ficar bem – Mina beijou a testa de Barbara. Ela desvencilhou-se de seus braços e olhou para seu rosto assustado. Mina afagou a face de Barbara e limpou suas lágrimas. – Vá se vestir, menina. Já está tarde, você precisa descansar.

  Barbara meneou a cabeça e saiu nas pontas dos pés, segurando a toalha em seu corpo. As vozes haviam cessado, mas a vontade de ir embora da Noruega ainda bradava em seu peito. Ela abriu a sua bolsa para pegar seu pijama e, como um sinal de que suas preces foram atendidas, Barbara se deparou com o cartão-visita de Aaron. Ela observou o seu número para contato e viu ali, naquela porção de algarismos aleatórios, um pequeno vestígio de esperança.

  Em suas mãos estava a passagem para qualquer lugar distante de Oslo.

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