» Capítulo dois «

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  MERGULHADA EM SUA INÉRCIA, a pequena ruiva planejou milimetricamente cada passo que daria daquele dia, em diante. Vestiu seu sobretudo de um negro tão intenso quanto as asas de um corvo, vestiu seu único par de luvas pretas, recolheu seu chapéu do suporte improvisado na parede, ao lado da porta, e instintivamente parou onde estava.

  No pequeno cubículo três por três, a moça observava com receio, tudo o que, com tanto esforço, havia conquistado. Não era muito, estava longe de ser mas, pelo menos, ela podia chamar de seu.

  A pequena lareira, já fria e sozinha. A mesa no centro do cômodo, feita de madeira envernizada, uma pequena banqueta velha, encontrada em um bar abandonado, uma xícara velha, com a pintura gasta e a asa quebrada, e por fim, um -de-cabra encontrado em um ferro-velho, e que mais tarde, teria grande utilidade.

  Ainda receosa pelas palavras de seu falecido pai, Barbara toma um dose gigante de coragem, e fica em pleno estado de confiança no que estava prestes a fazer. Pegou o pé-de-cabra, que estava debruçado na lareira, e o escondeu debaixo de seu sobretudo preto, como uma ave que protege seu filhote debaixo de suas asas.

  Ao colocar o pé direito para fora de casa, Barbara pôde sentir a brisa gélida alcançar a sua face, e fazendo assim, eriçar os seus pelos dos braços. A ruiva fechou ainda mais o seu casaco, e seguiu pelo caminho do bosque.

  Barbara nem se deu ao trabalho de trancar a porta de seu pardieiro, aliás, o que teria de grande valor para ser roubado?

  Por mais que doesse no coração de Barbara responder a tal indagação, ainda por pensamento, profanou:

  Nada.

  Barbara Skrlová havia perdido tudo o que mais amava; perdeu o pai, toda a herança que receberia, perdeu seus poucos amigos, e por fim, e não menos importante, a sua dignidade. A ruiva havia atingido o estado mais desprezível conhecido pelo homem:

  O fundo do poço.

  Agora, a moça tinha que se sustentar com o pouco que recebera em seu antigo trabalho, e que a poucos dias, havia sido despedida sem motivos aparentes.

  Barbara umedeceu seus lábios cheios, enquanto caminhava solenemente entre numerosas arvores mortas ao seu derredor. Suas botas pretas pisavam em uma mistura de folhas em decomposição e neve, o que resultava em um ruído pelo qual, chamaria a atenção de qualquer caçador que se atrevesse a denominá-la como presa, mas naquela manhã doentia, quem seria a caçadora seria ela.

  Ao passar por uma trilha repleta de árvores esqueléticas, com sombras peculiares, Barbara adentrou o bosque que protegia seu pequeno refúgio. Era como passar por um extenso túnel assombroso, sem nenhuma menção sequer a luz externa. A obscuridade engolia a ruiva a cada passo dado, os minutos ali se tornaram infinitos; as palmas das mãos de Barbara já estavam marcadas pelas suas unhas, que naquele estado de tensão, já estavam quase perfurando cada linha desenhada em suas palmas desidratadas. Percebendo que chegara longe demais, a moça relaxou por alguns instantes quando viu uma pequenina luz branca, adentrando em seu campo de visão.

  Finalmente Barbara pôde contemplar o céu pálido e descomunal a cima de sua cabeça, e um pequenino floco de neve aterrissou em sua bochecha avermelhada. Já estava começando a neviscar em toda Paris, era como se um grupo de amigas estivessem dando uma festa do pijama nos céus, e uma guerra de travesseiros começasse, penas brancas e minúsculas saltavam de dentro de seus travesseiros, e flutuassem céu a baixo, alcançando a pequena ruiva solitária. A ruiva coloca o chapéu acima de sua cabeça, ocultando assim, seus olhos. Os pequenos flocos de neve, que aos olhos de Barbara, simulava a uma chuva de bolinhas de algodão, agora aterrissavam nos cabelos avermelhados, longos e macios da moça, e contrastava com o negro de seu casaco. Um breve sopro da natureza, movimentou os flocos de neve para um lugar específico, a mansão dos Skrlová. Barbara travou seus olhos verdes na imensidão de seus portões, mesmo do outro lado da rua, aquele lugar ainda lhe dava arrepios. Barbara passou rente a mansão, perambulando pela cidade de Paris, que naquela manhã acordou majestosa, enfeitada com a neve e todo o seu charme. Paris é uma das cidades mais belas que Barbara já havia morado.

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