Capítulo Vinte e Um (Parte II)

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— Eu sempre fui a melhor companhia, Liam. – falou entrando no apartamento e fechando a porta com força atrás de si. – Precisamos conversar sobre a sua vida. – declarou autoritária.
— Não estou com cabeça para isso agora, Lexie... - murmurei, voltando a me deitar no sofá.
— Está sim, Antonella. Até quando você vai insistir em mascarar isso que você está sentindo aí dentro? - questionou com os braços cruzados e eu soltei o ar impaciente.
— Eu não sei se vale a pena arriscar...
— Tarde demais. - declarou, abrindo a bolsa e retirando um pacote dentro dela. - Porque eu já tenho uma passagem comprada para a Itália.
— Você enlouqueceu? - disse num tom de voz extremamente alto, piscando os olhos diversas vezes, incrédula com a atitude da minha melhor amiga.
— Não, só estou resolvendo a sua vida, coisa que você deveria estar fazendo. - apontou em minha direção, totalmente alheia à minha reação. - E é bom você se recuperar, porque você vai amanhã.
— Lexie! - exclamei.

Eu precisava resolver a minha vida, Lexie tinha razão, mas eu ainda não me sentia preparada para isso. A verdade, no entanto, era que eu não havia deixado de pensar no Pietro desde quando coloquei os pés em Londres.
Eu nunca fui uma romântica sem noção, daquelas que ficam sonhando acordada com o príncipe encantado, mas Pietro havia mexido com os meus sentimentos de uma forma que eu não era capaz de imaginar que aconteceria. Prova disso é que pensei nele durante os últimos 6 meses e isso já estava começando se tornar insuportável. O que me deixava ainda pior, no meio desse mar de sentimentos, era não ter a certeza de que isso era recíproco.
Foi então que eu tive de desabafar isso com alguém e, por incrível que pareça, Liam foi quem me deixou mais à vontade para tal. Em nenhum momento da minha vida, eu me imaginaria confessando os meus sentimentos amorosos com o meu ex namorado, mas depois que voltei da Itália, Liam e eu decidimos que não dava mais para fingir que nunca fomos importantes um para o outro.
Somado a tudo isso, eu me sentia como uma sombra do meu pai. Quando decidi me formar em Gastronomia, eu nunca quis ter o mesmo sucesso dele, muito menos me tornar um reflexo da sua gastronomia, mas era isso que estava acontecendo. Nós dois éramos extremamente diferentes quanto a teorias e conceitos e cada dia trabalhando no restaurante fazia com que eu sentisse que estava perdendo o meu tempo com algo que não me preenchia. Eu voltei fascinada da Itália e arriscar uma carreira em San Gimignano era tudo que eu mais desejava.
— Você tem algo a perder? - Lexie questionou séria.
— Não. - respondi, envergonhada como uma criança que acabou de levar uma bela bronca dos pais.
— Então, Ann, o que ainda te prende aqui? - tocou em minha mão e me forçou a encarar seus olhos.

Não consegui responder porque a verdade era que nada me prendia em Londres.

— Devo encarar esse silêncio como um "nada"? - perguntou sorrindo e eu lhe lancei um meio sorriso.
— Acho que sim.
— Ótimo. Era dessa resposta que eu precisava! - sorriu e me envolveu num abraços - Acho que já podemos arrumar as malas. - piscou o olho e me puxou em direção ao quarto.

Quase não consegui fechar os olhos durante a noite. Lexie e eu terminamos de arrumar as nossas malas bem tarde e, antes de dormir, ainda tive que ligar para os nonnos avisando do plano inconsequente da minha amiga - o que foi em vão, porque já era tarde demais para que eles estivessem acordados. Papai e mamãe também foram avisados e, aparentemente, estavam tranquilos, ainda que tivessem exigido explicações sobre a minha atitude repentina quando voltasse da Itália.
Durante todo o tempo que esperei no saguão do Aeroporto, troquei mensagens com o Liam e ele parecia extremamente feliz com a minha decisão. Ele ainda evitava tocar no nome do Pietro, o que era extremamente compreensível, Liam se mostrava muito satisfeito com o meu provável futuro profissional.
Dentro do avião, eu tentava pensar apenas em coisas boas, mas não pude negar que meu coração vacilava todas as vezes que eu imaginava me encontrar novamente com o Pietro. Eram tantos os questionamentos em minha cabeça! Durante todos os últimos meses, nós conversamos por mensagens, mas será que ele já estava com alguém? Será que ele apoiaria a minha decisão? E se tudo que sentimos foi apenas momentâneo e eu sou a única iludida da nossa relação?
Sabe quando você está tão absorta em seus pensamentos que o tempo passa e você nem ao menos se dá conta? Foi isso que aconteceu comigo. Sem nem perceber, eu já estava desembarcando na Itália sem ao menos dar tempo de pensar nas respostas para todos aqueles questionamentos.
Durante o caminho para San Gimignano, tentei ligar para a fattoria, mas o telefone insistia em não ser atendido. Comecei a me arrepender de ter aceitado o plano da Lexie, mas eu não poderia mais recuar. Eu teria de seguir em frente com todas as minhas inseguranças.
Assim que cheguei no portão da fattoria e o avistei trancado, percebi que realmente não havia ninguém em casa. Tentei me certificar disso, ligando algumas vezes para a fattoria, mas consegui ouvir o telefone tocar incessantemente sem ser atendido dentro da casa.
Antes que eu pudesse desistir, ouvi o som do atrito das rodas do carro com a terra e torci mentalmente para que fosse o nonno Enrico, mas quem dirigia o caro era justamente a pessoa que eu menos estava preparada para encontrar.
Pietro estava igualmente surpreso. Ele ainda demorou alguns minutos dentro do carro, decidindo se acreditava ou não no que estava vendo. Foi só quando ele desceu do carro e se aproximou que eu percebi que estava prendendo a respiração há um bastante tempo.
— Antonella, - disse com voz rouca de sempre e eu me senti aliviada por poder ouvir como os seus lábios desenhavam o meu nome novamente - aconteceu alguma coisa? - perguntou com os olhos semicerrados, tentando me decifrar.

Não consegui responder. As minhas mãos estavam trêmulas e suadas e eu só conseguia focar a minha atenção em lembrar de respirar. Tentei balbuciar algumas palavras, mas a constatação em minha mente era maior do que a minha capacidade de proferir alguma palavra: eu estava apaixonada pelo Pietro e Lexie nunca esteve tão certa em me mandar para cá.
— Ann, está tudo bem? Onde estão nonno Enrico e nonna Francesca? - disse se aproximando.
— Eu... Eu não sei. - respondi e ele pareceu ainda mais preocupado. - Quer dizer, eles ainda não sabem que eu estou aqui. - falei sem ao menos entender as palavras que saiam da minha boca.
— Vamos entrar. - pediu e me direcionou ao seu carro. Assim que entrei e senti o seu cheiro impregnado, as coisas se tornaram ainda mais difíceis.

Pietro estacionou próximo à varanda e me olhou, certificando-se se a minha sanidade mental ainda estava intacta. Ele me lançou um meio sorriso e eu tentei corresponder, mas a ansiedade em meu peito era maior do que qualquer coisa. Pietro me fez diversas perguntas até chegarmos à sala, mas uma delas me impediu de continuar guardando as minhas emoções:
— Quando você volta? - perguntou ao me encontrar na varanda.
— Eu vim para ficar, Pietro. - falei e ele mudou a postura, virando-se para me encarar.
— Como assim? - perguntou confuso.
— Isso mesmo que você ouviu. Eu estou me mudando para Itália.
— Calma. - fechou os olhos sem entender direito e sorriu. - Mas e o restaurante?
— Você é uma das poucas pessoas que sabe como me sinto em relação a isso... - virei para olhá-lo. - Mas eu desisti de ser a sombra do meu pai e resolvi seguir os meus próprios passos aqui em San Gimignano.

Demorou um tempo até que Pietro raciocinar o que eu havia dito. Sorri sem jeito, enquanto ele ainda tentava entender as minhas palavras.
— Isso significa que nós dois... - ensaiou em dizer, mas se arrependeu. - Desculpa, Ann, você deve estar cheia de vocês para resolver, não quero te exigir nenhuma decisão...
— Tem razão, eu tenho uma lista de coisas para resolver, mas nós dois estamos em 1º lugar nessa lista. - sorri e ele fez o mesmo, finalmente entendendo as minhas palavras.

Seus olhos verdes pousaram nos meus e logo analisaram cada centímetro do meu rosto, vacilando nos os meus lábios. Sorrimos juntos quando a ponta do seu nariz encostou no meu e, depois que nossos lábios se encontraram, tudo parecia certo mais uma vez.
— Eu acho que estou sonhando... - comentou entre os nosso beijos.
— Então, não vamos acordar, por favor. - respondi e ele deu um sorriso ainda maior.

Naquele momento, eu entendi que é isso que vale na vida: sonhar, sem se preocupar em acordar; arriscar, sem ter medo de viver; viver, enquanto for isso o que nos restar.

FIM.

AntonellaOnde histórias criam vida. Descubra agora