20. Maninha

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Essa foi uma das manhãs mais agitadas de todas nesta casa. Os empregados corriam apressados de um lado ao outro, limpando cada centímetro cúbico do quarto de Joana, enquanto meus pais, tão animados quanto se estivessem ganhado na loteria ─ não que isso faça alguma diferença na vida deles ─, tentavam descobrir o vôo e a plataforma que o avião de minha irmã ia aterrissar. 

Eu deveria estar dormindo agora, se não fosse pelo fato de que fui avisada que minha irmã exigiu minha presença no aeroporto com meus pais. Parece que eles não ficaram muito contentes com isso, mas eles não tiveram escolha, afinal, foi pedido da "filha preferida" deles.

Não sei como devo me sentir com a volta de minha irmã a São Paulo, faz muitos anos que não nos vemos e quase nunca nos falamos nesse meio tempo, já que está sempre ocupada com os treinos e as turnês. 

Não posso culpa-la pelo que meus pais fazem comigo, não foi ela que quebrou meu pé aquele dia nas aulas de balé e também não foi ela que fez eu repetir de ano. 

Na verdade, eu não tenho motivo nenhum de ter raiva da Joana, até entendo meus pais de a colocarem em um pedestal ─ afinal, que tipo de pais não se orgulhariam de uma filha que faz parte de uma das maiores trupes de bailarinos da Rússia e vive fazendo shows pela Europa.

─ Vamos logo, está quase na hora. ─ Minha mãe me chama. 

Sigo meus pais até o portão de entrada da casa, onde um motorista particular nos esperava em um carro grande e espaçoso. 

O aeroporto fica a uns 40 minutos de casa, então fui o caminho observando a paisagem e ouvindo algumas músicas em meu celular. A medida que íamos nos aproximando, o frio em meu estomago ficava cada vez mais forte. Eu realmente não sei como vou agir.

Finalmente chegamos ao aeroporto. O motorista estaciona o carro em uma vaga no estacionamento e então sigo meus pais até a área de desembarque onde Joana os indicou.

Assim como nós, há também diversas outras famílias e pessoas sozinhas esperando seus entes retornarem de seus voos. Todas transparecendo ansiedade, com sorrisos esperançosos. Meus pais não estão diferentes, já que desde antes de pisarem aqui não paravam de falar sobre Joana e planejar várias coisas para fazer com ela assim que chegar em casa.

Olho em um painel de LED em frente as cadeiras da sala de espera e busco pelo voo de minha irmã, um que marca "Moscou, aterrisagem prevista as 8:40".

Olho na tela de meu celular, que marca 6:59.

Ah não, meu pais só podem estar de brincadeira!

─ Mãe. ─ Chamo, interrompendo sua conversa superinteressante com meu pai sobre o que mandar os cozinheiros fazerem para Joana assim que chegarmos em casa. Ela me olha em desdém, como se eu estivesse acabado de interromper uma reunião importante de negócios. ─ Que horas está prevista a aterrissagem? ─ Pergunto já sabendo a resposta.

─ Você não olhou o painel? ─ Ela responde secamente, apontando para o mesmo, e então se vira novamente para meu pai.

─ Então por que diabos nós chegamos tão cedo, sendo que o avião só aterrissa daqui quase duas horas? ─ Tento evitar ao máximo soar indignada, mas as condições não me permitem no momento.

Minha mãe se prepara para dar a resposta mais cínica possível, então meu pai se põe entre nós.

─ Rita, você não deve estar entendendo. ─ Ele balança a cabeça para os lados em negação. 

─ Eu que não estou entendendo? Estamos quase duas horas adiantados, não custava nada esperarmos mais um pouco antes de virmos. ─ Respondo em protesto. ─ Isso sem contar o tempo de ela pegar as bagagens na esteira.

O TatuadorOnde histórias criam vida. Descubra agora