3. Surpresas

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─ Não vou falar de novo! ─ ele grita, apontando a arma para mim. ─ Passa logo!

─ Não... ─ começo a gritar aos prantos. Não quero ser assaltada e levar um tiro!

Passo meu celular com as mãos trêmulas para o garoto. Quando vou tirar a carteira do bolso, ouço uma voz desconhecida atrás de mim.

─ Jeremias, o que você está fazendo? Você é louco? - Olho para trás, um rapaz grita com o garoto. - Me dá isso aqui! - ele aponta para a arma.

─ Ô tio, cê ta doido, não vacila. - o tal do Jeremias diz.

─ Me dá isso aqui! - O rapaz grita, arrancando a arma da mão do garoto. - Devolve o celular para ela! Agora!

─ Pô tio... - ele começa.

─ Devolve agora! - Ele grita, e assim o garoto faz. - Agora pede desculpas!

─ Desculpa tia, foi mal. - ele diz para mim. Apenas observo tudo boquiaberta.

─ Seu pai sabe o que você anda fazendo por ai, garoto? - Ele diz, como se o conhecesse. - Vai para casa que eu vou ter uma conversinha com seus pais, rapaz!

─ Pô, cê é mó vacilão...

─ Vacilão é você, que sai por ai assaltando garotinhas com armas de brinquedo! Vai para casa, agora! - Ele grita, então o garoto sai com um ar derrotado, desaparecendo por uma viela.

─ Você o conhece? - pergunto.

─ É um dos filhos de um amigo do meu pai. - Ele responde, então mostra a arma para mim. Era feita de sucata e seu cano era feito com um cabo de vassoura.

─ Não acredito que você caiu nessa. ─ ele diz, entre altas gargalhadas.

─ Poxa, eu estava assustada! Como ia reparar? ─ digo defendendo-me.

─ Da próxima vez veja se o cano da arma não é feito de madeira. ─ ele responde. ─ Agora vá. Isso nunca aconteceu.

─ O-obrigada. ─ digo timidamente, então me viro e corro até o final daquela rua, chegando até o ponto de ônibus, que, para a minha sorte, não demorou a chegar.

-x-

─ Minha nossa! E o que ele fez depois disso? ─ pergunta Duda curiosa e assustada ao mesmo tempo.

─ Ai, garota, você está inteira, né? ─ diz Fany em seguida, preocupada.

─ Sim, estou bem. ─ respondo, depois de contar toda a história do dia anterior para minhas amigas. ─ Pelo menos o moleque não levou nada no final...

─ Mas esse Felipe é mesmo um traste! ─ diz Fany.

─ Que tipo de garoto recusa dar carona para a namorada?! ─ completa Duda.

─ É, mas eu fui muito tonta de não ter percebido que a arma era falsa...

─ Se eu ver esse Felipe, juro que dou um tapa nele! Isso é coisa que se faça com uma garota? ─ diz Duda indignada, me cortando.

─ Exatamente! Pode me chamar que eu ajudo! Garoto ingrato! ─ continua Fany.

─ Meninas! ─ grito. ─ Eu poderia ter levado um tiro!

─ Ah sim, e sobre o cara que te salvou? ─ finalmente pergunta Fany.

─ Isso mesmo, como ele era? ─ prossegue Duda curiosa.

─ Bem, não consegui vê-lo direito porque estava muito escuro e minha visão estava embaçada, mas pude notar que tinha o cabelo bem escuro... e era mais alto que eu.

─ Minha filha, qualquer um é mais alto que você. ─ Duda diz debochando.

─ Vai se ferrar! ─ respondo, e todas caímos no riso.

De repente somos surpreendidas pelo grupo das patricinhas entrando na sala - Sofia e sua trupe de escravas, que estavam bem animadinhas para meu gosto.

─ O que aconteceu? Jogaram milho no galinheiro? ─ Pergunta Duda, curiosa.

─ Acho que é por causa do aluno novo, fiquei sabendo que chega hoje. ─ responde Fany.

─ Bem que notei um nome a mais na lista... ─ digo, abrindo o diário de classe e notando que abaixo de todos os nomes dos alunos havia um a mais. ─ Leandro Brandão... ─ leio em voz alta.

─ Então esse é o nome do condenado? ─ pergunta Duda em desdém.

─ É, parece que sim. ─ respondo.

─ Meus pêsames para ele. ─ diz Fany dando de ombros. ─ Além de ter que estudar nessa escola horrorosa, vai ter que aguentar o cardume de piranhas dando em cima dele.

Logo depois a professora entra na sala de aula e, enquanto ajeita seu material na mesa e começa a escrever na lousa, o grupo dos garotos bagunceiros do "fundão" entra na sala, como sempre, fazendo baderna. Olho indiferente, não vou com a cara de nenhum deles, só sabem atrapalhar as aulas e encher o saco.

Olho cada um daqueles rostos delinquentes - um mais feio que o outro, até que, para minha surpresa, havia um rosto novo no meio. Um rapaz moreno, de cabelos cacheados e... Parece que já o vi em algum lugar... Não me diga que... NÃO!

─ Duda! ─ sussurro em seu ouvido na minha frente, cutucando-a. Ela se vira para mim.

─ Que foi, vadia? To copiando o negócio da... ─ Ela começa.

─ Duda, disfarça! ─ interrompo-a sussurrando. ─ Está vendo aquele cara ali? Junto com o grupinho do fundão? Disfarça...

E em um movimento ao estilo da menina do Exorcista, Duda vira a cabeça para trás.

─ Aquele ali? ─ ela pergunta em voz alta.

─ Sim... ─ respondo cobrindo meu rosto em indignação. Tão discreta quanto um elefante!

─ Ah! Então esse é o aluno novo! ─ Diz Duda surpresa.

─ Sim! ─ digo puxando-a para perto. ─ Dá para ser mais discreta, ok? Ok! ─ grito nervosa. ─ Enfim, foi ele que me ajudou ontem naquela rua.

─ Ritinha do céu! Por que não disse que ele era tão gato assim?!

─ Não sei, talvez por que eu não consegui vê-lo direito? ─ respondo irônica.

Olho para trás e observo-o melhor, até que sua aparência é aceitável em relação ao resto dos garotos do grupo. Seu cabelo é cacheado e bem tratado - preto na altura do pescoço, com uma barba rala no rosto. Devo admitir, é bonitinho...

Pena que foi se enturmar justo com um dos piores grupos da sala, não duvido nada que daqui a pouco estará criando confusão junto com os novos amiguinhos.

De repente, sou surpreendida com a professora anunciando a devolução das provas de biologia.

─ Ah droga! ─ diz Duda preocupada. ─ Não quero nem ver minha nota!

─ Eu quero. ─ digo ansiosa. ─ Acho que fui bem, fiquei uma semana inteira estudando para esta prova!

─ Você só sabe estudar, garota!

A professora então começa a chamar os alunos em ordem alfabética para buscar a prova, deixando-nos cada vez mais ansiosas.

Mas que droga! Por que diabos tiveram que me dar um nome com a inicial "R"?!

─ Rita Becker. ─ finalmente, depois de uns vinte nomes, a professora me chama.

Busco minha prova toda saltitante e volto ao meu lugar.

─ Que saco, tirei 4! ─ Duda diz, desanimada. ─ Ainda bem que ainda não é prova oficial. E você, quanto tirou?

─ Não sei, vamos ver... ─ respondo, estendendo minha prova sobre a mesa.

O quê?!

...

O QUÊ?!

O TatuadorOnde histórias criam vida. Descubra agora