As borboletas

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🌌Autora🌌

- Tome conta de Dipper, Aidan. - ele disse, enquanto se dirigia com pressa a porta, parecendo ainda abalado com as palavras ditas mais cedo, mal querendo olhar na face do menino, que agora se corroia de vergonha e remorso.- Controle a sua raiva e tente não machuca-lo quando pronunciar algo.

- [... ] Eu sinto muito. Fui um babaca em ter te falado aquilo...  - ele disse, correndo em direção a porta onde seu pai, com uma face perdida e tristonha, repousava a mão sobre a maçaneta.

- Você machuca as pessoas, Aidan. E eu até agora não entendi o porquê de você fazer isso - disse, enquanto suspirava pesado. E o menino, com a fala, ficou estático, olhando para a imagem deprimida do pai.

O barulho da porta se fechando  em seus pensamentos foi o suficiente para acorda-lo de seu transe e ver que, de novo, ele havia ferido alguém com suas palavras... E agora, já com a cabeça fora do tormento em que sua mente se encontrava, a única coisa que ele podia ouvir  eram os "nãos" que saiam desenfreados da boca do menino de olhos já úmidos e coração partido...

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Confuso e desnorteado, ele observava a porta atentamente, achando que, por mais que a frase que seu pai dissera minutos antes parecesse ter ponto final, ele quisesse acrescentar alguma coisa e voltasse, mas não foi isso que aconteceu. E mesmo que acontecesse, Aidan não poderia dizer que as falas anteriores do pai estavam erradas: ele realmente machucava as pessoas. Com ou sem palavras, era ele aquele que sempre feria as pessoas a sua volta...

Era de sua natureza e ele nunca precisou explicar aquilo, assim como um psicopata não precisava explicar o porquê de se sentir superior aos demais, ou o porquê de um pedófilo se interessar pela pureza de uma criança, mesmo sabendo que aquilo era um tanto errado. E, bem, antigamente ele realmente não ligaria para essa pergunta e riria por saber que seu trabalho estava sendo tão bem feito ao ponto dos outros se incomodarem, mas agora ele mesmo estava em dúvida do por que de fazer aquilo. Simplesmente não entendia,  assim como não entendia o porquê  de ter se sentido desconfortável após ver o pai mal daquele jeito; sempre gostou de ver o sofrimento alheio, então por que agora isso estava deixando-o de estômago revirado? E por que toda vez que ele pensava nisso uma coisa branca e parecida como uma borboleta pousava em seu ombro? As perguntas o deixavam tontos e a falta de resposta mais ainda.

Sentiu o mesmo gosto amargo na boca do dia anterior e concluiu que começaria a chorar de novo. Chorar... Só havia feito aquilo poucas vezes em toda sua vida, mas mesmo assim nunca mais queria experimentar a sensação. Era estranha, doíam os olhos e a boca, seus pensamentos ficavam turbulentos e bagunçados e você acabava pensando mais nos outros do que em si mesmo; umas criaturas brancas como a neve, que voavam o céu adentro com uma beleza inexplicável, vinham em sua direção e grudavam em torno de sua epiderme, fazendo seu corpo todo se arrepiar e uma vontade avassaladora de chorar tomava seu ser por completo - e, para ele,  aquela sensação era nova e esquisitamente ruim -, ficava com peso enorme na consciência e uma vontade avassaladora de proteger o indivíduo. E, sejamos sinceros, são raras as pessoas que Aidan realmente se importa. Fora Mabel, Dipper e sua família, só havia uma pessoa com que, ao decorrer do tempo, ele passou a se preocupar, que era ninguém menos que Elliot, seu amigo. Mas diferente de Mabel, ele nunca havia chorado por Elliot, mesmo quando a situação se mostrou complicada quando os pais de Elliot desconfiaram de sua "amizade" com Aidan e o proibiram de falar com o mesmo. E os dois só se falam hoje em dia, pois, duas semanas depois do ocorrido, Elliot adquiriu uma febre surpreendente e os pais, se sentindo culpados, deixaram que as crianças retornassem com sua amizade antiga. E agora, parando para pensar nisso, Aidan se lembrava desse dia perfeitamente, e com isso lembrava-se também de não ter sentido nada quando percebeu que Elliot o ignorava e saía correndo de onde quer que estivesse para não ter que falar com ele. Realmente não sentiu nada, um pingo de tristeza, um pingo de alegria, não havia sentido nada. Sequer se preocupou com a ausência do garoto, então por que chorou como se não houvesse o amanhã quando Mabel foi tirada de seus braços? Ele não sabia ao certo, mas talvez isso tudo se explicasse pelo fato de que, no fundo, ele soubesse que Elliot, de um jeito ou de outro, voltaria para ele. E ao contrário de Mabel ele não tinha medo de perder o garoto; de nunca mais poder se perder e se aprofundar em seu olhar tão azul e tão puro e logo depois sentir seus olhos ficando violeta; de, talvez, nunca mais poder abraçá-lo ou beijá-lo, coisa que os adultos fazem recentemente para mostrar que se amam. Nunca sentira medo dessas coisas, pois, no fundo, ele tinha certeza que Elliot o amava da mesma forma que ele o amava. E isso era o suficiente para deixá-lo com o pensamento leve e a certeza de que ele era só seu. E, talvez, seja por isso que Aidan teve inúmeros pesadelos e chorou por horas quando acordou se lembrando do ocorrido, porque Mabel não era dele, mas sim de Dipper, assim como Dipper era dela, e os dois, a qualquer momento, poderiam ir embora juntos, deixando Aidan e seus pais para todo o sempre. E,  talvez - só talvez - tenha sido só por isso que ele chorou assim que viu Mabel sendo puxada como um saco de areia para dentro do carro de polícia: estava com medo de nunca mais vê-la.

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