Capítulo 18

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Após algumas horas de exames, conversas e depoimentos, fomos finalmente liberados e poderíamos voltar para casa. Tudo que eu mais queria naquele momento era poder me afundar no travesseiro fofo e esquecer da minha existência, rezando por diversas vezes que quando eu fechasse os meus olhos, a minha alma sumisse.

Eu estava sentada abraçando meus joelhos tentando não pensar na dor enquanto olhava pela janela as árvores altas e algumas pessoas que andavam apressadas voltando dos seus afazeres. A noite estava fresca e a briza suave batia em meu rosto machucado, dando uma pequena sensação de alívio mas a mesma se dissipava como névoa quando a minha mente me enviava constantes flashbacks do que havia acontecido, essas lembranças me faziam estremecer no banco de trás.

Na tentativa de abrir um diálogo, Cíntia tenta puxar assunto:

-Pai, sabe quando a mamãe volta de viagem?

-Eu conversei com ela enquanto estávamos na delegacia, ela disse que voltará assim que for possível.

-Você não contou a ela o que houve, não é? - digo saindo da posição que estava para me posicionar entre os dois bancos e encarar Carlos pelo retrovisor 

-Ainda não, mas eu...

-Não conta. - eu digo sem deixar que ele termine a frase.

Carlos suspirou profundamente e assentiu com a cabeça enquanto dizia "tudo bem, se você prefere assim, respeito sua decisão" e ainda adicionou aquelas frases clichês de "pode contar comigo" e "você não está sozinha".

Mas sim, eu estava sozinha, eles nunca entenderiam a dor que eu estava passando e eu sei que aquilo me mataria por dentro aos poucos. Eu me sentia como um hospedeiro que carregava um parasita fatal dentro do corpo, ele devorava as minhas vísceras e chegava nas profundezas da minha alma a cada dia. Eu sabia que todos estariam ali para me dar todo o apoio e suporte necessário mas eu também sabia que nada disso seria o suficiente para acalmar um coração despedaçado como o meu.

                                                                                           ******

Cheguei em meu quarto ignorando totalmente o chão pintado com meu sangue e me deitei na cama sem tirar as roupas que estava usando, me virei para a janela e observei a lua que estava alta no céu, ela brilhava majestosamente e iluminava o meu quarto, o que trazia uma pequena sensação de paz mas eu sabia que aquilo não duraria muito, aquela paz não dura quando se tratava de mim.

Meu celular vibrou algumas vezes no bolso da calça, peguei o mesmo com aquela mesma sensação que tive no dia que sofri os ataques virtuais porém felizmente não era nada daquilo, e sim minha mãe mandando várias mensagens dizendo que estava com saudades, esperava que todos em casa estivessem se cuidando, lembrando de não deixar meu pai comer muita besteira pois aquilo fazia mal para a gota e que quando menos esperássemos, ela estaria em casa novamente.

Uma nova lágrima pesada caiu dos meus olhos, eu gostaria muito de ter minha mãe próxima a mim nesse momento difícil mas ela estava a mais de 2.000 quilômetros de mim e não havia nada que pudesse ser feito a respeito.

Esperei todos dormirem para poder me punir, eu não suportaria que Cíntia ou meu pai presenciassem aquela cena novamente. Revirei minhas gavetas até achar a minha mini caixinha preta com adesivos onde eu as guardava. Eu tinha apenas uma, mas com o tempo eu sabia que precisaria de mais e hoje, eu finalmente estrearia a minha faca de caça que eu havia ganhado de alguém que havia feito questão de me entregar ela bem embalada em um papel pardo com um bilhetinho em papel branco e letra bonita que dizia:

"Espero que finalmente consiga se matar"

No início, eu pensava que era uma brincadeirinha de mal gosto e que aquela pessoa não passava de um idiota com intenções ruins mas, com o tempo eu comecei a refletir em como aquele artefato poderia ser útil, ele iria me salvar de mim mesma.

Levei a caixinha até a cama e me sentei em frente a ela e a abri, a lua iluminava a minha bela faca e algumas lâminas de barbear velhas, dando brilho aos objetos. Eu retirei a faca da caixa e a analisei, ela era nova e tão limpa que era capaz de ver o meu reflexo opaco e sem vida pela sua lâmina bem afiada.

A posicionei no braço e fiz o primeiro corte e não parei enquanto o primeiro filete de líquido escarlate escorrese pelo pulso e pingasse no lençol, e assim os cortes se seguiram até a região do cotovelo. Eu sabia que aqueles cortes não tirariam a minha vida e sim me deixariam apenas com mais cicatrizes e que muitas pessoas iriam implicar comigo por causa dos mesmos.Então finalmente tomei a decisão, aquela seria a minha última noite e daquela eu não passaria, posicionei a ponta da faca no centro do pulso e a forcei para dentro a puxando até a metade do braço. O sangue jorrava sem parar e a dor era lancinante.

Ainda com um dos braços "intactos", digito uma mensagem com muito esforço para o doutor Alan:

"Desculpa não poder ir a formatura com você, eu decidi dar um fim em toda a minha dor então será muito melhor você se afastar de mim e fingir que nunca me conheceu. Assim a dor será mínima, por favor não faça perguntas e nem me questione o por que eu tomei essa decisão, apenas aceite que nem você e nem ninguém poderá fazer nada a respeito. Mas obrigada por tentar me ajudar e me colocar no caminho certo, é uma pena que é tarde demais."

Após enviar a mensagem, desliguei o celular e me concentrei no silêncio da noite, gostaria de levar as boas lembranças (mesmo que poucas) que esse mundo me proporcionou. Queria lembrar dos bons sorrisos que minhas amigas me arrancaram, todas as quedas que tomei que sempre resultavam em um cotovelo ralado e um beijo dos meus pais para que melhorasse, pegar Cíntia no colo quando ela ainda era um bebê e todas as coisas legais que pude aprender nessa vida. Mas eu já havia me cansado de ser humilhada e usada também, eu precisava de paz e por mais que eu não quisesse tomar essa decisão, ela deveria ser feita, eu apenas a adiei na esperança de que as coisas melhorariam e eu conseguiria ser uma pessoa feliz como eu era antes de tudo isso acontecer. Eu finalmente poderia me encontrar com o Henri e finalmente tudo faria sentido para mim novamente, eu finalmente iria poder ser eu.  

A mancha escarlate no lençol crescia muito e o sangue jorrava como uma fonte bonita daquelas praças de filmes românticos, minha pressão estava caindo cada vez mais e eu finalmente estava conseguindo o que tanto desejava, eu finalmente estava atravessando o túnel de luz branca... eu estava morrendo ali na minha cama enquanto a lua assistia...

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