Capítulo I

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CAPÍTULO I
Jackson

Nunca imaginei que algum dia eu acordaria sem saber como falar ou como se equilibrar sobre meus próprios pés. Ou até mesmo como realizar uma função simples como respirar ou piscar. Não lembrava de onde estava ou de como fui para ali, ou ao menos o meu próprio nome.
Estava caído com os joelhos no chão frio de uma sala fechada e com uma escassa luz. Minhas mãos apoiavam no chão também, ajudando-me a sustentar o peso do meu corpo. Depois de segundos lutando contra mim mesmo para tentar respirar novamente, o ar invade meu pulmões com ferocidade. É como se aquela fosse a primeira vez que eu tentava fazer aquilo. Enquanto tomava fôlego meus olhos arregalados encaravam o chão tentando focar minha visão até então embaçada. E então após algumas piscadas e forçadas, pude ver um chão claro e limpo, forrado com uma fina camada de água e uma baixa nuvem de fumaça branca que se movia lentamente e sorrateiramente sobre o solo.
Aquela nuvem fria passava por meu corpo. Senti um arrepio gélido por cada músculo meu e só então percebi que estava nu.
Jogo meu peso corporal para o lado me apoiando em meu braço para sentar-me ali.
Trago meus joelhos para mais perto do corpo para tentar conter o frio e então tento analisar mais ao meu redor.
Logo que ergui os olhos a minha frente, vi uma espécie de... cápsula? Algo parecido com um tubo largo e alto. Todo o corpo daquilo era feito de vidro e a porta parecia ter simplesmente aberto. A nascente daquela fumaça fria vinha desse objeto. De ambos os seus lados de metais, em cima e em baixo, saiam canos que jorravam aquela substância para fora.
Percebi então que ao lado daquela... "cápsula" haviam outras iguais a ela. Uma a direita e duas a esquerda, com um espaço considerável entre elas. Dentro, não podia enxergar nada. Todas estavam cheias da mesma fumaça branca que cercava meu redor. Cabos vindos de instalações saiam do teto da sala e se ligavam ao teto das maquilas.
Finalmente meus olhos se adaptaram a luz.
As únicas fontes de luminosidade ali eram o brilho das "capsulas" e o da noite, que invadia o recinto por uma larga janela. O céu escuro jogava com força um chuva feroz que escorria pelo vidro fechado e por motivos que eu não sei, me fazia querer sair correndo dali naquele exato momento. Apesar de tudo... resolvo ignorar esses primeiros sentimentos que senti e tento me pôr em pé.
Apoio novamente meu corpo sobre meu braço e distribuo o peso por todo meu corpo enquanto levanto-me. Acabo desequilibrando-me mas não caindo.
Está bem... passo um concluído com sucesso. Agora vamos tentar andar...
Arrasto meu pé esquerdo para frente e novamente quase deixo meu corpo ir de encontro ao chão. Estava muito desacostumado com a gravidade... mas por quê?
Assim que consigo me equilibrar e me adaptar, sinto novamente o frio percorrer cada parte de meu corpo despido. Olho em volta e acho um armário de madeira ao canto da sala e ando até ele torcendo para que esteja aberto. Forço a porta, mas nada. Desvio novamente o olhar e me deparo com uma bancada limpa, e mais ao lado outro armário. Sigo até ele em passos pequenos e ao tentar abri-lo, a porta se desloca para o lado. Pego um conjunto de moletom cinca que estava lá dobrado, junto com outros, e me visto. Por incrível que pareça a roupa me serviu bem.
Pronto... então estava vestido, mas ainda com frio, sozinho, numa sala escura, não sabendo nem mesmo quem eu era ou aonde estava e a poucos minutos, não sabia nem respirar. O estranho é que consigo me lembrar de coisas simples, como usar um computador ou abrir uma torneira, como se tudo já houvesse feito parte de alguma experiência que tive durante a vida, mas rostos e lembranças simplesmente desapareceram da área de recordações do meu cérebro.
Respiro fundo deixando o oxigênio invadir meus pulmões e então sigo em direção a uma das máquinas de vidro a minha frente.
Ao me aproximar percebo a fumaça movendo-se dentro dela. Uma fina cama de gelo cobria o objeto e embaçava o vidro. Tentando ver melhor o interior, puxo a manga do moletom para a palma de minha mão e seguro-a. passo o tecido no vidro o desembaçando e acabo vendo em meio a toda aquela substancia gasosa o rosto delicado de uma garota. Recuo um passo quando o vidro acende.
"Câmara 901, projeto New Genesis", lia-se no vidro. A foto de uma garota também apareceu ao lado. A foto da garota lá de dentro. E uma descrição que supostamente seriam as características físicas e mentais da menina, junto com uma ficha de acompanhamento médico.
"Allyson Clark. 19 anos. Nascida dia 07 de Setembro de 2003. Sensitive Desconhecido.". Tudo a partir daí parecia um monte de palavras aleatórias e sem sentido pra mim.
Como por impulso levei meu dedo até o vidro e passei para o lado como se fosse uma tela touch screen, e pra minha surpresa... era. Ao decorrer das abas vi rapidamente um relatório médico, um tal de "histórico de testes" e outras infinitas coisas que meu cérebro simplesmente não conseguiu assimilar. Parei numa aba que mostrava a frequência cardíaca e os dados nervosos dela em tempo real.
Por que havia uma menina ali dentro? E em todas aquelas câmaras, também haviam pessoas? E o que raios era esse tal de "New Genesis"? eu simplesmente estava perdido em meio a tudo aquilo. Resolvi então averiguar nas outras capsulas de vidro. Um toque, e novamente o touch é ativado.
"Michael Halhill. 20 anos. Nascido dia 17 de junho de 2002. Sensitive Desconhecido.". De tudo que eu poderia ter pensado naquele momento, a primeira coisa que veio a minha cabeça foi um questionamento do quão engraçado era aquele sobrenome, mas decidi prosseguir com o que eu estava fazendo.
Toquei a câmara ao lado para ver a descrição de quem estava lá. "Brook Hundy. 18 anos. Nascida dia 26 de Agosto de 2004, Sensitive Desconhecido.".
Ali então estavam três pessoas com idades totalmente diferentes, características distintas e provavelmente sem nenhuma ligação entre elas.
Meu Deus, aonde eu estou?
Depois de um tempo tentando assimilar tudo aquilo, uma curiosidade e a chance de matá-la surgiu em minha cabeça. Vou até a câmara aberta e fecho sua porta apertando um botão touch na lateral do vidro. A porta do mesmo material desliza para o lado e se fecha.
- Quem sou eu? – sussurro para mim mesmo estranhando minha própria voz, como se a muito tempo não a ouvisse.
Toco o vidro com o dedo e então o vidro se acende como o esperado. "Jackson Carter. 19 anos. Nascido dia 15 de fevereiro de 2003. Sensitive Desconhecido."
Jackson. Aquele era eu.
Em meio a tudo isso mais um milhão de perguntas brotavam em minha mente, mas elas foram interrompidas quando um barulho como um "biip" ecoou baixo pela sala. Quando olhei em volta vi que alguma coisa piscava no touch screen da primeira câmara ao canto da sala. Corri para ver o que era. "Despressurização iniciada.". Lia-se em letras grandes na tela. A porta de vidro afundou para dentro alguns milímetros deixando a mesma fumaça gélida de antes se espalhar pra fora. Logo em seguida deslizou para o lado fazendo o gás e um pouco de água escorrer para o chão molhando meus pés descalços e me fazendo sentir um calafrio pelas substancias estarem trincando de gelo.
Fiquei tão distraído com isso que quase não me dei conta quando o corpo da menina caiu sobre mim. A segurei em meus braços impedindo que ela caísse com tudo em direção ao chão. Arrumei-a e sentei-a. Ainda com sua cabeça apoiada em meus braços a menina abre rapidamente os olhos e respira seu primeiro punhado de oxigênio. Quando ela se dá por si, rapidamente olha pra mim e depois para si mesma. Percebendo sua nudez ela pula pro lado e se encolhe escondendo seu corpo.
Me levantei e fui para o mesmo armário aonde achei os moletons e peguei uma calça e uma blusa para ela.
- Aqui... – Entrego a roupa para a garota. – Vista-se.
Ela pegou o conjunto de minha mão receosamente. Quando a mão dela se aproximou da minha, percebi a tremura de seu corpo. Ela puxou as peças de minha mão bem rapido e as levou para próximo de seu corpo, cobrindo suas partes intimas.
- Que... Quem é você? – Ela perguntou com a voz tremula e desviando o olhar para o chão, mas ainda assim não pude não perceber a doçura de sua voz.
- Meu nome é Jackson. – Era estranho dizer aquilo, embora não devesse ser. – Você deve ser Allyson.
Ela me olha como se estivesse espantada.
- Sim... Meu... Meu nome é Allyson.
- Não se preocupe. Eu também não me lembrava de meu nome.
- Aonde estamos?
- Também não sei. Em alguma sala escura de algum lugar maluco.
Ela desviou o olhar para os lados tentando se localizar mas também me olhava com receio uma vez ou outra.
- Eu... vou deixa-la se vestir. – Digo me levantando e dando as costas a ela. Me aproximo da larga janela e observo as gotas de água escorrerem por ela. No reflexo da janela era possível vê-la se levantando, mas decidi não ficar observando-a por motivos de ética.
Depois de um tempo ouvi ela falando:
- Pronto.
Me virei e então pude prestar atenção na garota.
Seu rosto era delicado e seus olhos escuros contrastavam com sua pele clara. Seus cabelos ruivos caiam sobre seus ombros finos e seus lábios pequenos e rosados se apertavam expressando uma possível timidez. Agora seu corpo curvilíneo e delicado estava coberto por um moletom bem maior que ele. Quando me aproximei percebi algumas sardas na região de seu nariz.
- A roupa ficou meio larga. – sorrio tentando faze-la se sentir mais à vontade.
Um sorriso tímido nasce em sua face, mas ainda sim a senti meio desconfortável.
- O que você sabe sobre mim ou este lugar? – Ela disse acariciando seu braço esquerdo com sua mão direita, provavelmente em sinal de que ainda estava com frio.
- Ainda não consegue se lembrar de nada, não é?
Ela balança levemente a cabeça de um lado pro outro.
- Eu sei. – Compartilho do mesmo sentimento com ela.
Me aproximo da bancada no meio da sala e me sento em cima dela tirando meus pés do chão.
- Sobre você, sei que se chama Allyson Clark, tem dezenove anos e nasceu dia 07 de Setembro de 2003. Como eu sei disso? – Aponto com a cabeça para a capsula dela. – Todos seus dados estão arquivados naquela máquina.
Ela parece se interessar por essa última parte e acaba olhando esperançosa para a câmara. Me levanto e sigo em direção a máquina. Aperto o botão touch em sua lateral e a porta se fecha revelando os comandos e os arquivos da garota. Sorrio pra ela e ela se aproxima do vidro mexendo no sistema.
- O que você vai achar ai além do que eu já te disse é uma ficha média, um arquivo de testes e mais um monte de baboseiras. Não contem nada de sua vida antes de desses minutos de agora.
Pude perceber a esperança fugindo de seu olhar.
- Testes? – Ela pergunta para mim.
- também não faço a menor ideia.
Após ela terminar de dar uma boa vasculhada nos arquivos, vira-se para mim e fica em silencio, novamente com os braços colados ao corpo.
- E aquelas câmaras? Tem pessoas lá dentro? – Ela indica as outras com a cabeça.
- Sim. De acordo com os dados deles, ali estão Michael Halhill e Brook Hundy.
- ah...
Ambos estávamos meio desconfortáveis e com mais dúvidas que a quantidade de células em nosso corpo, mas nosso silencio foi interrompido quando ouvimos um som de uma porta eletrônica destrancar ao lado de fora. Passos se aproximavam de nós. A garota parecia assustada e eu posso garantir que também estava.
- Entre na câmara, rápido! – Digo me dirigindo a ela.
- O que? Está muito frio. – recusa ela.
- Agora! – Abro a câmara dela e espero-a entrar.
Allyson acaba entrando com uma cara de sofrimento e com os braços apertando seu corpo , tentando manter seu calor corporal.
- Eu vou te tirar daqui. Prometo. – digo e ela balança a cabeça em sinal de sim.
Aperto o botão touch "Pressurizar" ao lado da máquina e a porta se fecha jorrando mais daquela nuvem gélida para dentro da capsula. Corro para a bancada perto dos armários e pego um pequeno e fino pedaço de metal, volto a minha capsula, abro-a, e aperto o mesmo botão da de Allyson. Entro antes da porta se fechar por completo, mas ponho o pedaço de metal entre a ela para poder abri-la do lado de dentro. Em um segundo já não ouvia mais nada do lado de fora, então todo meu corpo gritou silenciosamente de frio quando a câmara começou a se encher daquela nuvem de gelo.
Os próximos segundos foram enigmáticos. A fumaça agia como uma névoa grosa aos meus olhos, mas mesmo com dificuldade pude ver dois homens entrando na sala e passando de câmara em câmara para checar alguma coisa. Quando eles terminaram saíram pela porta e após alguns segundos de espera, para ter certeza que estava tudo limpo, forço o pequeno metal e consigo abrir um pouco o portal. Um som de alarme baixo ecoa da máquina e uma voz eletrônica feminia começa a repetir a mesma coisa diversas vezes, "Despressurização não programada", mas pelo menos a abertura era suficiente para passar meus dedos. Depois disso uso a força para obriga-la a abrir um pouco mais, passo estreitamente meu corpo pela brecha e me jogo no chão antes que a pressão da porta se fechando me cortasse ao meio. Imediatamente o alarme e a voz sessam.
Me levanto e sigo até a câmara de allyson, abrindo-a. ela sai rapidamente e se encolhe em mim. Como que por instinto a abraço para aquece-la, mas logo ela percebe a proximidade e se afasta.
- Quem eram eles?
- Eu não sei.
- Ah, meu Deus... aonde eu fui me meter? Isso é algum tipo de prisão? O que eu fiz? – Ela começou a se lamentar e a olhar em volta com uma mão na cabeça.
Ignoro todas as palavras que ela estava dizendo e volto minha atenção para a porta da sala. Percebo que a fechadura eletrônica não estava trancada e tento puxa-la. Com sucesso a abro e ouço Allyson chamar minha atenção num sussurro alto.
- Você está prestando atenção em mim?
- Você não tem ideia de como eu adoraria ouvir suas lamentações. – Soo irônico. – mas acho que achei uma saída daqui.
Ela se cala e segue em minha direção. Se abaixa sobe meus braços pondo sua cabeça pra fora da sala. Faço o mesmo um pouco a cima dela e ambos olhamos os dois lados.
- Não há ninguém. – Ela diz.
- Vamos!
Saio de lá e ela segue logo atrás de mim.
Andamos por um corredor branco e iluminado procurando um final, até chegarmos a um elevador. Allyson aperta o botão para chama-lo e olha em volta.
- O que você está fazendo? – digo repreendendo-a.
- Tentando sair daqui!
- Usando o caminho mais obvio possível?
Ela me olha com uma careta e antes que ela dissesse algo o barulho do elevador, indicando que ele havia chegado no andar, soa.
Quando ambos olhamos para dentro dele paralisamos.
- Olá. – um homem sorridente vestindo um jaleco diz nos olhando.
Se não antes, creio que agora eu e Allyson estávamos ferrados.

Sensitive - IniciadosOnde histórias criam vida. Descubra agora