Capítulo VIII

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CAPÍTULO VIII
Allyson

Tudo o que eu mais queria era ter uma noite aonde eu pudesse descansar e sonhar bem, mas parecia que aquilo era a última coisa que eu teria em toda a minha vida. É impressionante o fato de que todas as minhas noites de sono, até onde me lembro, não foram boas. Será que na vida passada, que eu não me lembro, eu tinha noites boas, ou eram noites como essas?
Porém, apesar de tudo, não era isso que mais me assustava. O que me fazia temer os sonhos, não era porque eles davam medo, e sim pelo fato deles virarem realidade.
Naquela noite sonhei que estava num lugar fechado, não havia janelas nem saídas. Era um lugar espaçoso, mas estava nos seus piores dias. Não pude prestar muita atenção nos detalhes. Por algum motivo a imagem focava e desfocava, como a lente de um binóculo, às vezes tremia ou simplesmente distorcia-se e depois voltava ao normal.
Pelo pouco que pude, vi Jackson caído no chão deste local, ele estava numa situação horrível. Suas roupas rasgadas e seu corpo ferido. Brook e Michael estavam semelhantes. Ao redor deles havia uma multidão, mas não pude ver rostos, roupas ou qualquer coisa do tipo. Alguém falava algo olhando para eles, mas eu não conseguia ouvir as palavras nitidamente. De repente vejo feixes de luz, a cena muda. Ainda estava no mesmo local, mas tudo estava um caos.
Eu comecei a me desesperar. O que estava acontecendo? Eu poderia estar sonhando, mas pude sentir a dor de meu coração pulsando aceleradamente em meu peito, na vida real. Minha respiração começou a falhar. Eu andava de um lado para o outro e esbarrava, ou melhor, atravessava o corpo de vários borrões em forma de pessoas que pareciam estar em conflito.
A última coisa que presencio no sonho, é um som alto de trovão e de repente eu já não via mais nada a não ser uma imensidão branca.
Me sento no saco de dormir rapidamente. Meu coração ainda acelerado pulsava penosamente, sentia a pressão das batidas fortes em meu pescoço e em minha cabeça. Sentia o calor do sangue correndo por minhas veias, o suor do rosto escorrendo e o ar gélido do local batendo em minha pele.
Quando minhas pupilas se adaptaram à luz do local, me senti bem por não ter acordado ninguém com meu surto de loucura. Seja lá o que fora esse pesadelo, ele era mais tenso que o da noite passada. Era como se um fardo pesado fosse posto sobre minhas costas, como se o ar do local fosse denso e abafado. Aquele sentimento era mil vezes pior do que qualquer um que eu lembro já ter sentido. E agora, se houvesse um modo de poder fazer um pedido, o meu seria para que aquilo nunca virasse realidade.
Olhei ao redor. Todos estavam deitados em seus sacos, de olhos fechados, e provavelmente sonhando com algo lindo e agradável. Exceto por Jackson. Seu saco de dormir estava vazio, aberto, porém ele não estava em nenhum lugar ao alcance de meus olhos. Já havia amanhecido e o sol havia acabado de nascer. Alguns pássaros cantavam e conversavam entre si. Levantei-me para olhar melhor e ver se conseguia achar Jack, mas ainda assim não o vi. Então decidi sair para procurá-lo.
Segui para o leste, na direção do nascer do sol. Adentrei as árvores e continuei reto, até ouvir um baixo som de água caindo. Fiquei curiosa e segui o som.
As árvores se abriram novamente. Me deparei com um lugar lindo.
A minha frente, uma pequena queda d'água fazia o barulho que eu estava ouvindo. A água descia calma e escorregava pelas pedras de uma baixa parede rochosa. Os minerais eram finos e lisos horizontalmente, o que fazia a água cair em um formato espalhado e harmônico num lago azul e cristalino. No solo, a grama não era alta, mas também não era uma grama baixa, fora isso a vegetação ali, era verde e viva.
À frente, sentado em uma pilha de pedras iguais a da parede rochosa, mas mais próxima do lago, estava Jack. Ele estava segurando alguma coisa, não pude perceber o que era daquela distância.
Resolvi me aproximar cautelosamente. Ele parecia triste, quieto, e solitário.
- Oi. – Digo calma para não assusta-lo.
Jack me olha, mas logo em seguida volta a olhar o objeto em suas mãos e posteriormente o lago.
- Oi. – Ele me responde brevemente, calmo.
- Noite ruim? – Subo na pilha de pedras e me sento ao seu lado.
- Está tão na cara?
- Sim – Sorrio simpática. – Mas não se preocupe, garanto que você não foi o único. – O faço sorrir, mas sua expressão ainda era a mesma. – Por que veio para cá?
- Não consegui dormir à noite, precisava pensar.
- Está tudo bem?
- Está sim. – Ele falava no mesmo tom que Brook, na noite passada.
- Não precisa mentir para mim.
Ele apenas se cala.
- O que é isso? – Continuo, mantendo uma voz que transmita confiança para ele.
Quando Jack me mostra o que estava segurando, eu finalmente entendo o seu tom de voz. Entre suas mãos estava um pequeno aviãozinho de metal nas cores branco e vermelho. Simon. Aquele era um dos brinquedos favoritos de Simon.
- Ei, – Tento confortá-lo. – Ele deve estar bem. Provavelmente escapou junto com seu conselheiro ou...
- Não. – Ele me corta com a voz baixa.
- Não seja pessimista.
- Simon está morto, Ally!.
- Como?
- Eu o vi morrer.
- O que? – Me espanto.
Jackson tinha todo o motivo para estar daquele jeito. Por menos que eu conhecesse Simon, o pequenino havia sido o elo mais próximo de Jack desde que acordara. Vi os dois brincando e se divertindo, pude até mesmo perceber a alegria nos olhos dele quando se sentiu próximo de alguém novamente.
- Quando seguimos para a saída de evacuação alternativa noite passada, eu tropecei no final do corredor que você nos encontrou.
- Sim, Noah citou isso.
- Então você sabe que estava certa. – Apenas fiquei quieta. – Quando estava quase me virando para seguir vocês, ouvi a voz de Simon, mas não como um eco em minha mente. Eu realmente pude ouvir com meus ouvidos a voz dele chamando meu nome. Quando me virei, o vi correndo em minha direção com os braços abertos. – Ele se calou para criar coragem de continuar. – Nunca esquecerei essa cena. Eu pude ver o pânico em seu olhar. Eu pude ver as lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Eu estava com uma vontade enorme de sair correndo e segura-lo em meus braços para protegê-lo. Mas um projetil atravessou sua cabeça. Seu corpo pequeno tremeu e foi eletrocutado. Vi a última gota de esperança morrendo em seus olhos cheios de lágrimas. E então ele caiu.
Eu simplesmente não sabia o que dizer. Aquilo havia sido de mais até para mim. Senti a dor de Jack. Pelo pouco que ele e aquele garotinho se conheceram, era perceptível que Jack o amava. Quase pude jurar ter visto seus olhos lacrimejando.
- De acordo com David, - Ele continua. – Simon havia me escolhido para ser a família dele. E sabe o que mais dói? Saber que não agi como uma família para ele.
- Ei, Não foi sua culpa.
- Eu poderia...
- Não. – O corto. – Não havia o que ser feito.
Jackson deixa o brinquedo em seu colo e põe seus joelhos próximos ao seu corpo, mas ainda assim afastados de seu peito.
- Você está fazendo isso por ele, não? Digo, viajar 5.605 Km para a central do instituto só para...
- Salvar pessoas. – Ele se curva um pouco, encostando seu peito em seus joelhos e os abraça. – Se eu realmente tenho algo em mim que possa salvar alguém da morte. Eu farei isso.
- Mas você havia dito que...
- Eu sei o que eu disse, Ally. E me arrependo.
Me coloquei na mesma posição que ele, e ficamos ali em silêncio, observando a queda d'água por um bom tempo.
[...]
- AAHHH – Ouvimos o grito de Brook e vimos alguns pássaros saírem voando das árvores, na direção da clareira.
- O que foi isso? – Jack pergunta assustado.
- Brook. – Respondo. – Alguma coisa está acontecendo. Vamos! – Me levanto e desço apreçada da rocha.
Vejo ele guardando no bolso de sua calça o brinquedo de Simon e vir logo atrás de mim.
Seguimos apressados em direção à clareira. Corríamos por entre as árvores com velocidade, desviando de troncos caídos, pulando alguns obstáculos e tentando não bater a cara em outras árvores. O que será que havia acontecido? Ônix?
Quando chegamos ao espaço aberto onde o resto do grupo estava, vi Brook gritando de pé e dando alguns pulinhos. Michael e Noah tentavam acertar alguma coisa no chão.
- ALI! ALI! – Ela gritava e gesticulava com a mão.
- Há-Há!!! – Michael comemora alguma coisa. – Consegui!
- O que foi? – Pergunto me aproximando deles.
- Ah, Então os pombinhos foram ter uma noite mais particular, juntos? – Ele zomba ao nos ver. – Como foi? – O sorriso malicioso em seu rosto era particularmente ridículo.
Eu e Jack ignoramos as babaquices de Mike e nos aproximamos curiosos.
- Uma aranha? – Ele pergunta ao vermos Noah pegando o aracnídeo nas mãos.
Me afasto, mantendo uma distância segura. Não tinha boas lembranças daquele animal.
- Não. Um autômato aracnídeo.
- Como? – Pergunto.
- É uma câmera espiã. Provavelmente de Raven. Os Ônix agora devem saber que há sobreviventes do massacre. Eles sabem que estamos vivos e é uma questão de tempo para virem atrás de nós.
- Ah, que ótimo, não? – Michael ironiza.
- O que fazemos? – Jack pergunta.
- Fugimos. O mais rápido possível. – Noah fecha seu saco de dormir e começa a enrolá-lo. – Deve haver um lago a alguns metros naquela direção. – Ele aponta para o leste.
- Sim, Eu e Ally estávamos lá.
- Ótimo, leve Brook e Michael com vocês, se lavem e se troquem. Eu arrumo nossas coisas aqui. Saímos em dez minutos.
Após ele dizer isso, nós quatro pegamos roupas limpas em nossas mochilas e então seguimos para o lago. Chegando lá eu e Brook fomos para um lado e os meninos para outro. Lavamos nossos rostos com a agua cristalina do local e colocamos roupas limpas. O mesmo conjunto de sempre. Uma calça de moletom, uma camisa branca e uma blusa de moletom. Esta última peça optamos por deixar amarrado na cintura, pois o calor do dia já começava.
- Prontos? – Noah se aproxima carregando nossas coisas enquanto nós também nos aproximavamos. – Joguem as roupas sujas aqui. – Ele aponta uma pedra e joga seu jaleco lá, nós o obedecemos fazendo o mesmo.
Pega uma camiseta branca e a incendeia com o isqueiro, joga-a sobre as outras roupas e espera elas começarem a queimar.
- Pra que isso? – Pergunto.
- Rastreadores, Ônix podem seguir nosso rastro se deixarmos, então se queremos chegar vivos em Mount McKinley, sugiro que não deixemos isso acontecer.
Ele distribui as bolças para cada um de nós e então lava o rosto e sua boca no lago.
- Hora de ir. – E segue para uma direção.
Apenas o seguimos, sem pestanejar.
[...]
Horas se passaram e nós ainda andávamos por entre as árvores sem parar.
- Já estamos chegando? – Brook pergunta pela quarta vez nos últimos dez minutos.
- Já sim. – Noah a responde.
- Você disse isso a uma hora atrás. – Michael reclama. – Alias, para onde estamos indo?
- Existe uma saída aqui perto que leva para a CO-82. Para chegarmos a Denver temos que pegar essa saída, depois a estrada e depois a Rodovia I-70 E.
- E você espera que andemos quanto?
- Pararemos às vezes para descansar, prometo. Mas primeiro vamos chegar à CO-82.
Todos concordaram e aceleraram o passo. Depois de mais alguns minutos já podia se ver o fim das árvores. Quando nos aproximamos, uma rua pequena passava pelo meio da floresta. De ambos os lados haviam grandes árvores, mas o asfalto se destacava entre elas. Aquela pequena rua não era tão movimentada quanto eu esperava, mas ainda assim foi um alívio saber que estávamos progredindo em nossa viagem.
- Bebam um pouco de água, descansem e comam algumas barrinhas de cereal. Saímos em quinze minutos.
- Só quinze? – Brook gesticula prendendo o cabelo num coque.
Nós obedecemos Noah. Sentamos na beira da estrada e suprimos nossas necessidades. Quinze minutos depois, Já hidratados e alimentados, ainda não estávamos prontos para continuar. Eu particularmente queria arrancar meus pés e deixá-los jogados ali mesmo.
- Vamos! – Noah parecia todo animado e recomposto, como se tivesse descansado por horas.
- Só mais dez minutos. – Michael pede deitado no chão.
- Não! Precisamos sair agora se queremos chegar à rodovia principal ao anoitecer.
- À rodovia principal? – Ele resmunga.
- Vamos pessoal! – Ele insiste e nos faz levantar.
- Olha!!! – Brook diz animada. – Caminhão! Vamos pedir carona! – Todos olhamos na direção em que ela apontava.
Realmente havia vindo um caminhão aberto pela estrada.
- Não precisamos fazer isso. – Noah se nega. – Nem conhecemos o motorista.
Brook já se adianta e gesticula com a mão para o caminhão que se aproximava.
- Ele não vai parar! Eles nunca param – O conselheiro ainda insistia.
Mas para a surpresa dele, o veículo começou a perder velocidade e parou no acostamento ao nosso lado.
- Olá, meus jovens. – Um homem velho disse pondo o braço para fora e sorrindo para nós. Ele tinha um sotaque estranho de interior assim como sua aparência.
O idoso era sorridente, e mesmo tendo uma idade avançada, não parecia cansado. Seus olhos eram escuros e sua pele bronzeada pelo sol. Usava um chapéu um tanto engraçado, mas que o caia bem. De onde estava, não pude ver suas vestes, mas pelo pouco que percebi, poderia chutar que estava usando uma camiseta vermelha e um macacão jeans por cima.
- Olá, senhor. – Brook diz meiga.
- Vejo que estão meio perdidos.
- Pois é, - Ela ri. Se não a conhecesse, diria que ela estava tentando usar um charme a mais para convencer o simpático senhor do caminhão. – Acabamos perdendo nosso carro. Estávamos indo para Denver, para a casa de um amigo da família.
- Denver? Jura? É para lá que vou.
- Não brinca.
- Estou falando a mais pura verdade, minha jovem. – Ele nos olha atentamente. Um por um. – Vocês não parecem ser anarquistas. Querem uma carona?
- Sim! – Michael se adianta.
- Claro, - Continua Brook. – Digo, se não for de muito incomodo.
- Claro que não! Subam ai! – Ele indica a traseira de seu caminhão. – Só espero que não se importem com a carga. Estou levando alguns galões de leite para uma empresa em Denver.
- Que nada. Obrigado Senhor. – Brook diz pegando sua mochila.
- Não precisa me agradecer, minha jovem. – Ele se ajeita em seu banco e põem as duas mãos no volante. – Embarquem no expresso Maggi. – Ele ri de si mesmo.
- Viu, - Brook diz baixo para Noah. – Não foi tão difícil assim. – E então segue para pegar seu lugar entre as cargas de leite.
- Vamos. – Sorrio incentivadora para ele. – Veja pelo lado bom, ao anoitecer deveremos estar saindo de Denver, e não chegando à um quarto do caminho. – O faço rir e rio junto com ele.
Brook é a primeira a se alojar entre os galões. Ela sentou apoiando as costas na parte de trás da cabine, depois Michael ao lado dela, mas um pouco distante, Jackson numa das extremidades laterais da caixa, Noah de frente para ele e por fim, eu, sentando na mesma linha que o conselheiro, mas no canto oposto à cabine. Espalhados pela caixa traseira da picape todos já haviam se aconchegado, então o velho senhor acelerou em direção a Denver.
Foi até que uma ótima ideia ter pegado carona. Além de chegarmos mais rápido o vento que batia em nós refrescava o calor do sol de quase meio dia. Além disso, ambos tínhamos um momento livre para organizar as ideias, informações e ocorridos das últimas horas. Admito que eram muitas coisas, mais para uns, menos para outros, mas ainda sim creio que todos estavam soterrados de informações para pensar e raciocinar. E a julgar pelo silêncio e pelos olhares fixos no nada, deduzi que estava certa.
Em meus pensamentos repassei tudo o que Jackson havia me dito sobre Simon. Coitado. Quando o olhei, ele estava com o aviãozinho de novo na mão, e observava fixamente enquanto movia-o. Nem imagino o quão difícil deve estar sendo para ele.
Espero que algum dia possa superar isso, Jack. Mas até lá, todos nós ainda estaremos aqui. Goste você disso ou não.

Sensitive - IniciadosOnde histórias criam vida. Descubra agora