Capítulo 14 - Pacífico

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Clarice dava passos largos pelo campus, os cabelos balançando não só com o vento que fazia no dia, mas também com sua pressa. A torre com o relógio avisou, bem acima da sua cabeça, que ela estava quase atrasada.

A garota avaliou se valia a pena correr e chegar decomposta na sala de seu orientador, se ele era do tipo que não suportava atrasos e se ela tinha condicionamento físico para correr.

Não. Sim. Não. Eram as respostas para as perguntas.

Ela segurou no corrimão da escada e deu um impulso, pulando os dois primeiros degraus e correndo escada acima, mesmo sabendo que não conseguiria manter o ritmo. Sentiu a pontada nas costelas de dor, a falta de ar, e todo seu corpo pedindo para que ela parasse antes que entrasse em colapso.

Clarice nunca foi uma garota atlética, mas tinha de reconhecer que todas as noites mal dormidas favoreciam – e muito – para seu cansaço.

Ela alcançou o andar de Linguística e quase soltou um gemido, lembrando que havia um outro andar para subir. Porcaria! As salas dos professores não podiam, ao menos, serem mais acessíveis?

— Clarice – a voz rouca soou atrás dela.

A temperatura caiu, começando primeiro em sua cabeça, até chegar aos seus pés, e a garota paralisou no pé da escada.

Ela girou o rosto e encarou seu ex-orientador, na sua postura de sempre dentro de seu colete e calça de brim.

— Você não respondeu meu e-mail.

— Achei que Marcos havia repassado as decisões – ela disse, fechando a mão no corrimão de madeira.

— Com certeza – ele disse, sorrindo – Mas não é de bom tom, para dizer um eufemismo, a explicação não ter vindo de você. Afinal, um ano e meio trabalhando juntos... Não significou nada?

A garota arfou, apertando com mais força o corrimão, olhando para Antônio. O sorriso dele aumentou, ficando quase tão grande quanto o do Coringa, e, naquele momento, tudo o que ela queria era realmente correr.

— Clarice – a voz de João disse em tom autoritário, no topo da escada – Suba.

Com todo prazer, ela pensou, e teve que morder a língua para não dizer em voz alta.

— Ah, olá, João – Antônio levantou a mão – Esses machucados estão bem feios, hein? Como é que você caiu?

— Acidente de trabalho – ele disse, em tom quase impessoal.

— Aprendendo na pele que não se pode limpar vidros de janela sem proteção?

— Pode-se dizer assim. Se nos der licença, Antônio, Clarice e eu temos muito trabalho a fazer.

— Aposto que sim – o sorriso dele ficou ainda mais insinuante.

Clarice sentiu o estômago revirar, virando uma bola dentro da garota que ela queria muito, muito mesmo, cuspir na cara de Antônio. Ao invés disso, ela apenas girou nos calcanhares e começou a subir o último lance da escada.

— Até mais, Antônio – disse João, sumindo no seu corredor.

— Até – Antônio disse mais alto – A gente se vê, Clarice.

A garota, então, correu escada acima, só parando quando chegou em frente a porta entreaberta da sala de João Gabriel.

Ela respirou de olhos fechados, tentando encher o pulmão de ar e, com isso, expulsar a sensação inominável que havia dentro dela – uma mistura de nojo, terror e angústia que a garota nem achava que poderia existir na vida.

Diversas Formas de Nós [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora