Capítulo 40 - Na Boca do Estômago

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A sala de sua psicóloga continuava a mesma. O mesmo quadro na parede, que remetia a João Gabriel sua infância; os livros sobre a pequena mesa, marcados com post-its coloridos; o tic-tac enervante de um relógio postado as costas dele; Fabiana sentada em sua postura tranquila, para esconder que estava sempre pronta a atacar, a qualquer fala que ele dissesse; e, claro, João Gabriel calado por, pelo menos, dez minutos.

Dez minutos enervantes, João tinha de admitir, porque ele tinha muita coisa o que falar. Sua mente era um monte de ideias desconexas loucas para serem cuspidas para fora. Mas, toda vez que ele abria a boca, as palavras fugiam para tão além de onde ele poderia alcança-las, deitado naquele divã que ele odiava...

O pigarro de Fabiana o deixou ainda mais irritado, porque só o lembrou do dinheiro mal-empregado naqueles preciosos quarenta minutos de sua vida.

— Estava aqui pensando – João falou, brincando com os dedos sobre a barriga – como vocês consideram que algo que o paciente diz pode ir contra a ética? Suponho que vocês tenham um código de ética, certo?

Houve um instante de hesitação, que sempre acontecia quando João fazia alguma pergunta a Fabiana, como se ela lutasse dentro de si para saber o que poderia ou não responder, e ele não se sentiu culpado por deixa-la incomodada. Ela fazia isso o tempo todo. E ainda ganhava para fazer, afinal.

— Sim, nós temos um código de ética – ela respondeu, após uns segundos.

— Bom, então – ele arriscou um olhar por cima do divã, mas só deu para ver parte do rosto da psicóloga da posição que estava – Como vocês avaliam se o que um paciente diz é... perigoso?

— Onde exatamente você quer chegar, João? – perguntou Fabiana, lhe tirando toda a graça da coisa de pressiona-la com perguntas. Devia ser insuportável namora-la. A cada bom-dia do pobre marido, ela deveria responder "bom dia para quem?", e toda vez que o idiota perguntasse onde estava a gravata ela responderia "ah, então você quer me convencer de que não sabe onde colocou a sua gravata, hein?".

— Só estava pensando, se por um acaso eu te dissesse que estou planejando me suicidar. Você sairia correndo pela sala para avisar as pessoas a minha volta? Ou guardaria segredo? O que o código de ética te diria?

— O código de ética está disponível na internet, João, se você tem interesse em saber como deveremos agir basta baixa-lo – ela respondeu, na sua graciosidade de sempre.

João Gabriel não tinha dúvidas: Fabiana era uma mulher insuportável.

— Mas eu quero saber o que você faria – ele disse, meio exasperado.

— O que eu faria? Eu pediria para você me falar como você tem planejado o suicídio, discutiríamos sobre isso e, por fim, decidiria o que fazer quando você saísse da sala. Poderia, sim, procurar seus amigos, ou ligar para o seu psiquiatra, mas se você está muito interessado, não, eu não acho que você seria capaz de seguir um planejamento de suicídio.

Provavelmente, era a resposta mais longa que Fabiana já dera em todos os anos de terapia. Mas não a mais doce.

— Ah, adoro quando você chuta a minha cara sobre minhas incapacidades – ele desdenhou.

— Você seria capaz de planejar um suicídio e executa-lo? – ela devolveu a pergunta a ele.

— Eu planejo o tempo todo – ele fechou os olhos – Já visualizei superdosagem de remédio. Mas muito desconfortável a dor de estômago. Enforcamento é muito dolorido, além disso é difícil. Eu poderia só quebrar alguma parte do corpo e eu já me quebrei demais. Pular da janela não deu resultado.

— Mas você não planejou, não é? Pular da janela.

Ai.

Merda.

Diversas Formas de Nós [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora