Capítulo 15 - Sombra

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João Gabriel abriu os olhos, sem mover nenhum músculo do corpo. Os raios de sol penetravam pela cortina e, pela milésima vez, João concluiu que devia ter comprado uma cortina com pano um pouco mais escuro. Ele odiava o sol, quando tudo o que havia dentro dele era escuridão. Seus olhos se fecharam e ele soltou um suspiro, todo seu corpo pesado demais para qualquer movimento além do que não podia controlar.

João inspirou, tentando sentir o ar, mastiga-lo se possível, então expirou, com calma, prestando atenção em cada movimento do seu corpo, o diafragma descendo, o coração batendo, as moléculas de gás carbono que não via e que mesmo assim saiam pelo seu nariz...

O despertador tocou e ele abriu os olhos de novo, sem acreditar que precisava mesmo levantar. Ele encarou o relógio, os números digitais em verde, enquanto o toque aumentava até quase doê-lo por inteiro. João piscou no exato momento que o zero virou um.

Ele girou o corpo, encarando o teto, sentindo cada parte de seu corpo reclamar do movimento como se ele estivesse tentando levantar um caminhão estacionado sobre ele.

— Merda de obrigações – resmungou.

O despertador silenciou e João Gabriel mexeu os dedos da mão primeiro, tamborilando sobre sua barriga.

Sexta-feira, pensou, dia de dedicação exclusiva a UFBelo.

O despertador tocou novamente, ainda mais alto que da primeira vez, e João mordeu os lábios com força até que a fisgada de dor o atravessasse por inteiro para mostrar que ele ainda estava vivo.

Não queria estar, mas estava. O que com certeza mudava todos os planos feitos antes de dormir.

Antes de dormir, João havia imaginado sua morte de diversas formas – a que ele mais gostava era um enfarte fulminante sem que ele sequer tivesse tempo para sentir dor. Mas é claro que João Gabriel era o tipo de pessoa que, até para morrer, precisaria sofrer.

O volume do despertador ficou ainda mais alto e João deu um tapa nele, sentindo a pequena energia se esvair dele até apenas o vazio preenche-lo. Coisa estranha essa – ser preenchido por vazio.

A voz do reitor invadiu sua mente e, por impulso, João sentou-se na cama. Teve que se esforçar para não se deitar no segundo seguinte, mas ele não podia se dar ao luxo.

O reitor havia sido taxativo na reunião administrativa no dia anterior:

— Entendo suas dificuldades e compreendo os limites da sua saúde, mas ou você começa a ter mais responsabilidade e se controla, ou não vou poder ignorar todas as reclamações e ameaças de processos que chegam até a mim.

João não achava que ele estava errado – tinha uma universidade para administrar – mas que a situação era horrível ele não podia negar.

Ele se levantou da cama, arrastando os pés pelo chão enquanto coçava o cabelo. Seus olhos vaguearam pelo reflexo do espelho e ele arqueou a sobrancelha, um sorriso ameaçando aparecer em seu rosto.

— Tu tá destruído, cara – resmungou para si.

Os arranhões do seu rosto, em sua maioria, haviam inflamado, ficando com aquela aparência quase nojenta e muito sombria. Combinava com ele, com o que estava sentindo, com as olheiras abaixo dos seus olhos. Combinava com tudo dentro dele, na verdade, porque tudo dentro dele também estava ferido, inflamado, como seus arranhões.

João ligou o chuveiro, enquanto deixava a cueca escorregar por suas pernas. Então enfiou-se na água quente, tentando sentir cada gota batendo em seu corpo, como se a água pudesse lavar todo o sentimento angustiante e a sensação de vazio de seu corpo.

Diversas Formas de Nós [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora