Capítulo 30 - Silêncios

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Os orientais que desculpassem a blasfêmia, pensou João Gabriel quase jogando o celular longe dele, mas o silêncio nem sempre era uma dádiva. Pelo menos, não parecia ser quando ele passava quarenta minutos falando sozinho na sala da psicóloga, com eventuais – e para lá de irônicos – "é mesmo?" capazes de causar muita ira dentro dele; era, menos ainda, quando Clarice se dava ao direito de não responder os e-mails e mensagens que ele mandara nos últimos três dias.

João estava mais do que acostumado com os silêncios de Fabiana. Era isso o que se aprendia depois de dez anos fazendo tratamento com psicanalista: não dá para saber quando eles vão falar ou quando vão te deixar jogado no poço fundo da angústia sem emitir uma opinião concreta para você vislumbrar a luz. Não que a decisão de Fabiana tivesse sido errada – longe disso: havia tanta luz ao redor de João Gabriel que ficar em silêncio foi mesmo a melhor decisão da psicóloga para frear o possível surto a caminho.

Mas Fabiana era uma psicóloga muito bem-conceituada, com anos de carreira, que sabia o que estava fazendo. Muito diferente de Clarice, que era só uma garota que precisava terminar seu TCC e defende-lo dali menos de dois meses, e que não tinha o direito e nem o luxo de sumir quando bem entendesse. Afinal de contas, ele enfiou o celular no bolso, era ele quem tinha atestado de maluco. Não a garota, que era perfeitamente normal em sua bolha de não afetação.

— Você está bem? – falou Flávia, ao seu lado.

João deu de ombros, sem saber bem como responder. Ele havia respondido ao e-mail da irmã no mesmo dia, preocupado com Isaac tanto quanto ela poderia estar, e ela havia se disposto a passar em Ponte Belo, com as crianças, antes de voltar para a Europa. Depois de muita festa de Marie, e de um excesso de timidez de Iz, os dois haviam sumido no pequeno espaço verde da cidade – também conhecido como Parque Ponte Belo – enquanto Flávia e João tentavam conversar. Ainda que as tentativas não tivessem saído da formalidade estranha entre dois irmãos.

— Só o meio período de sempre – inclinou a cabeça para o lado – Mas não foi para falar das minhas dificuldades que você atrasou sua volta para casa, suponho.

Flávia mordeu o lábio inferior, cruzando os braços em defesa. João não se intimidou e continuou encarando a frente, as mãos dentro do bolso, tentando esquecer o silêncio do celular.

— Você acha... acha que há muitas chances? Eu olho para ele e não sei o que ele sente, João, e isso é tão... – encarou o céu – frustrante.

— Você já experimentou perguntar a ele como ele se sente? – ele arqueou a sobrancelha para a irmã.

— É óbvio. Você está insinuando que não sei conversar com meus filhos?

— São crianças, Flávia – ele suspirou – Sei que você sempre foi muito inteligente e com respostas elaboradas, mas eles são crianças... aparentemente crianças normais. Eles não vão saber dizer tudo o que sentem, com a precisão cirúrgica que você tinha na infância. Ou você acha mesmo que todo pirralho sabe dizer pros pais que precisa ir ao hospital urgente porque está com uma dor inusitada do lado direito, depois de cair, e que isso pode ser uma concussão séria seguida de sangramento?

Flávia abriu um esboço de um sorriso, os olhos vagueando num passado distante. João Gabriel quase sorriu também, porque aquela era uma boa lembrança, apesar do castigo que ele sofreu por ter derrubado a irmã da bicicleta. Flávia quase nunca chorava ou ficava apavorada. Ela era tão rainha de si mesma, tão convicta, tão metida a sabe tudo, que antes de chegar no hospital já havia se dado o diagnóstico. Pior: ela havia acertado. Com uma precisão tão grande que o plantonista do dia ficou tão embasbacado que nem conseguiu falar.

Diversas Formas de Nós [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora