Capítulo 50 - Denúncias

1.6K 325 178
                                    

— João – a voz de Marcos tirou João de sua própria reflexão e o professor girou no calcanhar para encarar seu amigo – Como tem andado o TCC de Clarice?

Ele arqueou a sobrancelha, enfiando as duas mãos no bolso. Marcos estava com o rosto avermelhado, e os poucos cabelos em sua cabeça, reminiscência de uma época mais jovem, pareciam espetados em volta da cabeça.

— Suponho que bem.

— Você não a tem destruído, não é?

— Não acredito que tenho tanto poder de destruir, sozinho, uma coisa. É necessário que o outro lado permita – ele respondeu, dando de ombros.

— Talvez.

— O que exatamente você quer me falar, Marcos? – suspirou – Minha cabeça está a mil. Amanhã é o dia de análise do meu processo na reitoria, meu sobrinho parece ter tido alguma espécie de... alguma espécie de João Gabriel mirim, se posso dizer assim, então, se você for rápido... eu agradeceria.

— Claro que agradeceria – Marcos entrou na sala e fechou a porta as suas costas – Você não deveria estar na sua terapia?

— Eu remarquei.

— Por quê?

— Porque fiquei meia hora com uma irmã desesperada no telefone, Marcos – João Gabriel esfregou a testa – Por tudo que é sagrado, vá direto ao ponto!

Marcos arqueou a sobrancelha para ele, mas João, de verdade, não estava com paciência alguma para meias palavras. Havia aquela irritação típica vibrando em suas veias, havia os cacos de sua mente dançando em sua cabeça, havia aquela pontada fina e aguda em seu coração, e havia aqueles milhares de pensamentos, que ele estava evitando pensar, implorando por atenção. Não dar atenção para pensamentos idiotas é a coisa mais difícil do mundo – mais difícil do que linguística matemática moderna, ele tinha certeza. Pelo menos, ele conseguira passar nessa matéria na época da faculdade.

Ele tinha a impressão que sempre perdia para seus pensamentos.

— Alguns... boatos chegaram até a mim, João.

— Sério? – ele franziu o cenho, cruzando os braços – Adoraria acrescenta-los em minha lista, então mal posso esperar para ouvir.

Marcos mexeu as mãos no ar, suspirando logo em seguida, o que fez João Gabriel franzir ainda mais o cenho. Era desconfortável ver como seu amigo não sabia lidar com aquele estado específico da personalidade de João. Mas só mostrava como, para as outras pessoas, aquele João era insuportável. Não que ele pudesse questionar, até ele se achava insuportável.

Mas não conseguia evitar.

Ou não queria.

Esse era sempre o maior questionamento de seu processo terapêutico, no fim das contas.

— João... recebi alguns... hm... – pigarreou – algumas mensagens estranhas por toda tarde de hoje. Parece que... parece que te viram com Clarice.

— Sério? – João Gabriel deu um sorriso – Ela é minha orientanda, Marcos. Acho que me verem com ela, com frequência, é sinal de que eu tenho trabalhado.

— Com muita frequência – Marcos franziu completamente o cenho.

— Marcos, ela defende a merda da tese dela daqui menos de dois meses, e começou a escreve-la há três meses. Como raios você queria que ela mantivesse o prazo de defesa sem encontros frequentes com o orientador?

— Fora da faculdade?

— Céus – ele fechou os olhos – Olha o tamanho dessa cidade, pelo amor de Deus! Qualquer lugar que eu vou, eu encontro alunos meus. Você também.

Diversas Formas de Nós [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora