Capítulo 52 - Peculiaridades

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Formigas são animais muito peculiares. Tão pequenas e minúsculas e cegas, ainda por cima, e mesmo assim resistentes. Como aquilo era possível? Como elas conseguiam criar um formigueiro daquele tamanho, sendo tão pequenas? E sobreviver a tantas coisas, e bichos maiores, e homens cruéis, e ainda não terem sido eliminados da face da terra. O que foi mesmo que Darwin disse? Os seres mais adaptados sobrevivem. Os mais adaptados, não os mais fortes.

João Gabriel nunca foi muito bom em biologia na vida – a sua própria biologia era um conflito normal para a ciência. Mas ele se lembrava bem daquela frase, porque era a frase que seu professor mais repetia na sala de aula, como discurso motivador para adolescentes idiotas. Como se funcionasse, é claro. Mas professores tem muito disso, no fim das contas – a sensação estranha, grandiosa e estúpida de achar que, porque tem um giz na mão, e fica em pé ao invés de sentado numa sala de aula, influencia seus alunos a serem pessoas melhores.

Para ele, a maior balela já inventada na história dos pensamentos, era a ideia de que o homem nascia bom, e a sociedade o corrompia. Não. Ninguém nasce bom. Ninguém é corrompido por coisa alguma além de si mesmo. João Gabriel era um seguidor convicto de Hobbes e seu pensamento pessimista: o homem é o lobo do homem. E, na alcateia que ele fazia parte, solitário e sem ajuda, João Gabriel nunca conseguiria construir um formigueiro tão grande quanto aquele.

Mas ele podia fazer outras coisas – coisas maiores, mais grandiosas, mais incríveis do que um lugar para vários pequenos demônios morarem. Um formigueiro no chão de uma casa poderia destruir, em alguns anos, uma casa inteira. Uma mente formigueiro de pensamentos, então...

— João... – alguém o chamou, fazendo o professor erguer sua cabeça para o céu. Dia bonito aquele, refletiu. Estava tudo azul acima dele e poucas nuvens, um belo momento para curtir uma praia no Rio de Janeiro. Era uma pena que ele estava em Ponte Belo, quilômetros de distância da água do mar – o que você tá fazendo?

Ele desceu o olhar do céu para encarar a garota, dando um sorriso ao vê-la de saia, porque, deitado no chão, a garota estar de saia era excelente. Belas pernas, ele tinha de admitir.

— Belas pernas – foi o que ele falou.

Clarice arqueou a sobrancelha pra ele, franzindo o cenho completamente.

— Estou observando formigas.

— Formigas? No meio do campus?

— Algum problema? – ele perguntou, voltando a encarar a entrada do formigueiro – Alunos de biologia fazem isso o tempo todo, certo?

— É. Mas você é um professor de literatura.

— Ah, sim, perspectivas, Clarice. Um bom professor de literatura ou escritor deve conhecer e observar o máximo de coisas na sua vida. Nunca sabemos quando precisaremos usar informações sobre formigas nos nossos textos.

— Certo. E você não pode aprender sobre isso... lendo?

— Você já ouviu falar de Darwin? Você acha que ele aprendeu tudo sobre evolução e modificou o modo como o mundo entendia o assunto da criação, lendo livros?

— Acho que podemos deixar claro que você não é Darwin.

— Isso é relativo – ele cutucou o formigueiro e sorriu quando dezenas de formigas saíram, desesperadas, ao mesmo tempo – Quem disse que eu não sou? Você tem provas?

— Ah, minha nossa.

— Você não acha bonito? – ele disse, deixando as formigas subirem no braço dele – São tão pequenas...

Diversas Formas de Nós [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora