Capítulo 18 - Corda Bamba

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— O papai disse que você não bebe. Que nem a gente – a menina disse, olhando por trás dos óculos de hastes roxas – Mas todos os adultos bebem, não é?

João encurvou a boca para cima, encarando os olhos castanhos dela.

— A maioria, sim.

— Então – o garoto ao lado dela coçou os cabelos lisos – por que você não bebe? Você não é adulto?

— Crianças! – Luísa disse, dando um sorriso para João Gabriel – Por que vocês não deixam o amigo de seu pai em paz?

— Está tudo bem, Luísa – João interviu – Não tem problema.

Luísa olhou mais uma vez para os três, arqueando a sobrancelha por um instante. Mas João apenas se sentou no gramado entre as duas crianças, ignorando a preocupação da mãe deles.

Ele podia entender. Talvez fosse isso que tornasse tudo mais difícil – o fato de que ele conseguia entender as pessoas ao redor, mesmo que elas não o compreendessem. A maioria das pessoas tinha medo que seu comportamento, nem sempre explicado, explodisse em algum momento e que seus pedaços atingissem pessoas pelo caminho – pessoas inocentes, como as crianças.

João não tinha nada contra crianças e não achava que algum dia seria estúpido o bastante para machuca-las. Mas ele compreendia o medo dos pais e a resistência de deixa-lo perto delas por muito tempo, especialmente quando eram mais curiosas do que, naturalmente, as crianças já são.

Os filhos de Marcos eram uma peça a parte. Noá, de oito anos, tinha os cabelos tão lisos que, não importasse quantas vezes ele jogava para trás, os fios sempre voltavam a cair no seu olho. E Luna, de cinco, tinha aquele ar de princesa que sabia mais do que todo mundo, encarando por sobre as lentes de seus óculos, como se fosse muito mais velha do que seu registro dizia.

Era a mesma diferença de idade entre ele e sua irmã. E Luna lembrava mesmo sua irmã – a garota que, desde cedo, sabia que queria ser intelectual antes mesmo de compreender esse termo. A cientista da família. A superdotada.

— É óbvio que ele é adulto, né, Noá! – falou Luna, revirando seus olhinhos – Olha só para o tamanho dele! Você não acha mesmo que gigantes existem!

— É óbvio que gigantes existem!

— Agora só falta você falar que Papai Noel também existe! – ela jogou os bracinhos pro alto.

— Nem todos os adultos gostam de beber – João tentou mediar a discussão, antes que Noá começasse a chorar por ouvir tudo aquilo.

— Os adultos inteligentes sempre bebem! Pelo menos é isso que papai sempre fala, quando a mamãe reclama que ele ronca demais depois de beber – falou Noá.

— Bom, talvez eu não seja inteligente – João deu de ombros.

— Que tipo de adulto é você? – Luna disse, cerrando os olhos, o observando.

Claramente uma futura cientista – João pensou a olhando de volta.

— Pedro! – Noá berrou, fazendo João ter um pequeno sobressalto – Você trouxe meu livro de mitologia? – e correu.

— Meninos! – Luna deu de ombros – Vão crescer e sempre vão acreditar em mentiras – seja papai noel, seja mitologia.

E João, pela primeira vez em meses, riu.

Como ele poderia não ter rido, afinal?

E pensar que, quando Marcos apareceu na sua casa as onze em ponto, ele só queria ter achado um jeito de morrer antes disso.

Diversas Formas de Nós [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora