UMA BREVE NOTA DE ESCLARECIMENTO

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(ESSE TEXTO FOI POSTADO NO GRUPO DO FACE ~ CAFÉ DA LUA~ que ainda tem vagas pra quem está fora dele; mas como sei que algumas não fazem parte dos grupos resolvi migrar para cá para melhor debate com vocês)


[DEBATE] Oi, meninas, no textão de hoje eu vim falar sobre uma coisa que me incomodou muito nos últimos dias, e, principalmente, nas últimas horas. Eu vim falar de CLARIEL.

Eu sei que muita gente não lê as notas finais do capítulo, o que é uma pena porque elas estão lá por ALGUMA RAZÃO, e sei que muitas de nós (e aqui estou eu incluída) tendemos, quando estamos lendo um romance, a desconsiderar qualquer problema ao redor pelo bem do nosso casal shipper. Também sei que CLARIEL é a religião de muitas de vocês (é a minha, ao menos) e que eles, juntos, são mesmo uma coisa que nos arranca várias sensações boas, e que, por isso, tendemos a torcer com muito ardor para que tudo dê certo no fim. Mas não estamos no fim, estamos no meio, e eu acho que é isso que algumas de nós estamos com dificuldade de enxergar.

Rolou quando Pedro resolveu alertar Gael sobre as implicações de ficar com uma aluna, e rolou, ainda mais agressivo, com a Duda no último capítulo. E como eu tô aqui para tentar entender tanto vocês quanto meus personagens, resolvi questionar algumas coisas.

PRIMEIRO PONTO: Nem Pedro é amigo de Clarice, nem Eduarda é amiga de Gael. É um ponto muito importante para gente saber porque eles falam o que falam e porque tendem a buscar proteger mais um do que o outro. Duda admira o João? SIM! Em diversas passagens fica claro que ela o acha tão genial quanto enlouquecedor, e também fica claro que os dois foram muito próximos (ou tão próximos quanto Gael permitiu) durante o tempo que trabalharam juntos. E isso é importante porque quando Duda fala de Gael ela fala de Gael não com PRECONCEITO, mas com CONHECIMENTO DE CAUSA. Ela teve um vislumbre muito perspicaz com relação a como a mente dele funciona, e como ele funciona em relação as outras pessoas. Assim, quando ela declara, lá nos primeiros capítulos, que tinha medo dele, ela não estava falando isso como uma caloura que o vira gritar algumas vezes com os alunos, mas como uma pessoa que chegou mais próximo de Gael do que a maior parte das pessoas da faculdade. TEM MUITA GENTE ESQUECENDO DISSO E NÃO É LEGAL. Em relação ao Pedro, ele só viu Clarice duas vezes na vida, e por mais que acredite que Gael devesse sim se relacionar mais com as pessoas, ele tem muitos motivos para se preocupar com o futuro do amigo. Isso porque, como ele explicita bem, há muitos processos contra o professor na faculdade e uma denúncia de namoro com aluna pode, e muito, colocar em risco o trabalho dele. Tanto Eduarda quanto Pedro não estão preocupados com o ROMANCE DOS NOSSOS PROTAGONISTAS, mas com OS NOSSOS PROTAGONISTAS E COMO ELES VÃO SAIR DESSA AVENTURA. E não é isso que, pelo menos espero, os amigos devem fazer?

SEGUNDO PONTO: A história de Pedro é MUITO DIFERENTE DA HISTÓRIA DE GAEL, ainda que Pedro tenha, também, se envolvido com sua aluna. Pedro é um Vale dentro de Ponte Belo e isso, por mais que ele não se porte como um, diz muito de como as relações acontecem para ele. Gente, vamos lembrar que Ponte Belo tem 90 mil habitantes, é pequena, e, portanto, é mais sujeita a poderio de famílias ricas e corrupção do que cidades grandes, em que tudo fica mais escondido em meio ao engarrafamento das avenidas principais. E aqui, eu sei, só vai entender realmente quem mora numa cidade pequena e sabe o quanto uma família que é dona de metade da cidade pode influenciar, direto e indiretamente, a vida ao redor. Falo como alguém que mora na cidade onde os Neves (isso mesmo, aquele do cara da cocaína) desfilam o tempo todo pelas ruas, como alguém que mora numa cidade que os defende tanto a ponto de 97% dos eleitores votarem no dito cujo, mesmo sabendo de tudo que ele já fez. OU SEJA: Pedro tem muito mais poder do que ele quer e do que muitas de nós percebemos. João Gabriel, por outro lado, não tem poder nenhum. E está em risco.

TERCEIRO PONTO: Eduarda Gomes não é uma personagem como as outras. Eduarda Gomes é negra, numa cidade maciçamente de brancos. Ela mora numa periferia, numa cidade controlada pelos Vales. Sua casa tem três cômodos, e abriga cinco pessoas. Ela já viu vários amigos dela morrerem pelo caminho. Eduarda não tem pai, e não tem ninguém que a proteja de nada. A vida, desde o início, foi tiro atrás de tiro, no sentido literal e metafórico. E ela teve que aprender a se virar com isso. Ela não é do tipo que vai chorar, mas do tipo que vai erguer a cabeça e mandar atirarem mais. Então, quando Eduarda abre a boca ela não só cospe palavras aleatórias, mas diz muito de onde ela veio, do que ela já passou e como não existe espaço para romance e romantização para ela. Quando ela joga verdades na cara das pessoas, sem dó, ela só repete aquilo que a vida fez com ela o tempo todo: bateu. Bateu e não esperou que ela se levantasse para resistir. A garota teve que aprender a lutar para sobreviver. E talvez, porque ela é diferente de todas as outras personagens que já apresentei, ou porque ela está ao lado de uma Larissa muito alienada e de uma Clarice muito romântica, isso pode assustar muitas de vocês.

Mas, gente, vamos pensar: uma garota que perdeu várias pessoas ao longo da vida, por injustiça ou pelo crime, acredita mesmo que tem MEIOS BONITOS E OPORTUNIDADES PERFEITAS PARA ALERTAR AS PESSOAS QUE AMA DE QUE ELA PODE SE MACHUCAR MUITO NO FINAL? Ela dizer tudo o que diz, sem meio termos, a Clarice só prova o quanto ela gosta da garota, o quanto ela está preocupada com ela, o quanto ela percebe, longe de toda cabeça romântica de nossa protagonista, o quanto a relação dela com Gael pode lhe fazer mal. Lembrando o que tá no primeiro ponto: Duda conhece Gael como a maioria das pessoas não conhecem. Ela não está sendo preconceituosa quando diz as coisas que diz sobre o professor, pelo contrário – é a partir de um conceito muito bem elaborado durante um ano de trabalho com ele.

QUARTO PONTO: Distanciando um pouco dos nossos sentimentos em relação a CLARIEL, a pergunta que quero deixar por último é:

De um lado nós temos um homem, de trinta e dois anos, ferido não só fisicamente, mas principalmente emocionalmente, que passou por diversas experiências de abandono e recusa das pessoas, que acredita piamente que não há final feliz, que não tem esperança alguma de reverter sua trajetória e que, ESPECIALMENTE, alimentou seu transtorno mental como uma defesa para o resto do mundo, para não ser mais machucado pelas pessoas, para continuar sobrevivendo; do outro nós temos uma garota de vinte e três anos, que acredita em final feliz, que defende romances clichês com tanto afinco como defende sua paixão por linguística, que nunca tinha tido contato nenhum com qualquer transtorno mental na sua pequena e controlada vida, ingênua, romântica e, mais do que isso, esperançosa: quais as chances? Eu sei que o tema em si pode ser muito clichê, mas to tentando abordar de maneira mais profunda que o tema merece, não só a partir da bipolaridade, mas também no modo sonhador que Clarice encara a vida. Gente: existe uma razão para a garota ter adoecido depois de se envolver com Gael. E os enjoos dela não é de gravidez. E toda vez que vocês desconsideram tudo o que está envolvido, pelo bem do nosso casal, vocês também estão ROMANTIZANDO A RELAÇÃO.

Diversas Formas de Nós não é um livro sobre romantização.

Diversas Formas de Nós é um livro para causar chutes no nosso estômago, para doer, para nos tirar da zona de conforto, para, lispectorianamente falando, nos causar angústia.

Eu sei que é o que está acontecendo pelos comentários de vocês, e fico feliz com isso, mas queria relembrar isso para quando vocês forem distribuir agressão gratuita aos personagens do livro: eles não falam por falar. Todos meus personagens, quando abrem a boca, dizem muito mais do que as palavras dizem – dizem da posição deles no mundo, da ideologia, daquilo que eles acreditam até o último segundo de suas vidas. E a única coisa que eu convido vocês, toda vez, nas notas finais dos capítulos, é que vocês leem para além do que está escrito. Porque, de verdade, a história em si está nas entrelinhas. E eu sei que o wattpad é um lugar para histórias imediatas para nos fazer distrair, mas eu sei que vocês conseguem ir mais profundamente do que o garoto-encontra-garota. Só quero que vocês descubram que conseguem isso também.

Paz.

Felicis pra quem sobreviver ao questionamento

&, as always, beijos cafeinados <3


Diversas Formas de Nós [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora