Capítulo XVIII - Antes que seja tarde demais

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Beatrice

O meu ser sonolento estremece quando a campainha zumbe aos meus ouvidos. Mary dirige-se à porta, deixando-me sozinha enquanto como as minhas torradas com geleia. O meu pai saiu para ir ver o centro da cidade. Foi quando desci as escadas às nove horas, para começar este dia de sábado, que o encontrei a ler o jornal estupefacto e o meu coração não demorou a disparar loucamente quando vi a notícia destacada na primeira página: "Centro da cidade é novamente atacado". Sentia as minhas mãos a tremer. Quando o meu pai me desejou um "Bom dia", quase podia cair com o quão bambas as minhas pernas estavam. Respondi-lhe com dificuldade. Fingi que o meu estômago não reclamava por comida e sentei-me encolhida num canto do sofá enquanto a televisão passava algo que não recebia a minha mínima atenção. Dizia a mim mesma que não há como saberem quem fez os estragos de ontem à noite, que o meu pai não estava prestes a ler o meu nome no jornal. A cadeira roçou no chão e toda eu era medo. "Filha, vou ver como está a cidade. Aproveito para ir ao supermercado. Até já." E depois de me dar um beijo na testa e apanhar a lista de compras feita por Mary em cima da bancada, saiu.

-Tice, está aqui este rapaz para falar contigo. – Rodo o meu tronco para ver Edwin ao lado da mulher. Se o meu estado de espírito pudesse afastar as pessoas, então eu aposto que hoje não teria nenhuma destas surpresas e estaria escondida em algo parecido com um fundo do poço na floresta mais isolada que pode existir.

-Obrigada. – Dou-lhe um olhar que lhe diz que não precisa de se preocupar. Salto do banco e deixo a minha caneca com chá bem quente, que me aquecia as mãos, na bancada. Visto o casaco de fato treino que apanho no bengaleiro junto à porta e saímos, enfrentando o frio da rua que choca contra a minha cara, face ao quente de casa – escolha que tomei depois de imaginar um cenário em que o que fizemos ontem à noite viesse à conversa e Mary ouvisse alguma coisa. Então sim, continuaremos no gelo da rua.

-Ontem foste-te embora sem dizer nada. Outra vez. – Dá-me um leve sorriso, com cautela e preocupação camuflados, e relembro que pela segunda vez o deixo sem dizer nada.

-Desculpa. – É tudo o que posso dizer. – Não foi por mal.

-O Clayton disse-me que precisavas de descansar. – Acho que pela primeira vez desde que começámos esta conversa o olho, olhos nos olhos. – O que é que aconteceu?

-Eu só estava exausta. – Sou rápida a arranjar tal resposta. – Aquilo da cidade deixou-me abalada.

Não responde. Fico feliz por isso.

Mal dormi esta noite, imagino que as olheiras debaixo dos meus olhos sejam tão escuras que seja impossível não ver. Por mais que tentasse ignorar, a indecisão do meu ser inquieto deixou-me sem pregar olho. Depois do meu último momento de ontem com Clayton, ou depois de dançar com Edwin e sentir o seu coração pulsante contra o meu peito, eu sentia novamente a vontade de os ajudar mais viva que sempre. Imaginei como seria se o fizesse, o que mudaria. Acima de tudo, eu teria Edwin aqui sem um limite reduzido de tempo e Clayton poderia tornar-se verdadeiramente humano, com um corpo palpável, uma voz claramente audível e não com alguma sensação de vir do interior da minha mente. Porém, para isso acontecer seria precisa a ajuda de Alina, e ela é quem pode arruinar tudo o que possa imaginar. Se eu não os ajudasse? Edwin iria embora. Quanto a Clayton, eu poderia continuar a comunicá-lo. Quem sabe arranjarmos juntos uma maneira de os trazer de volta sem riscos. Mas aí, certamente já não seria a altura certa e eu seria apenas uma desilusão para eles e para mim mesma.

-O que é que te preocupa?

-Nada. – Não consigo sequer olhá-lo, com medo de que note como engulo em seco uma e outra vez. Sigo o homem que passa de bicicleta na estrada em frente a casa.

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