Capítulo XXXVI - Que os jogos comecem

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Beatrice

Naquela decisiva manhã de quarta-feira, Anna chegou à cabana com as fontes da falsa recaída de Clayton e Kira começou a ajudar a preparar tudo o que Celina precisava para o feitiço. Enquanto isso, mantinha-me imóvel no lado da mesa oposto ao sofá, depois de me ter sido dito um não a todas as ofertas de ajuda que julgo que eram mais precisamente tentativas de distração. Via, inquietamente no meu interior, Clayton deitado no sofá, numa expressão quase incompreensivelmente calma mas que posso jurar esconder toda uma revolução de ansiedade que tenta manter em segredo. Celina pergunta-lhe se está pronto. Não responde no primeiro segundo. Olha-me de forma discreta. Pergunta ao meu coração se estou pronta. Respiro fundo, ou ao menos tento fazê-lo. Eu não estou pronta. Não estou pronta para o ter novamente num estado inconsciente, sem que me possa falar, abraçar, dizer que me ama vezes suficientes para que nunca mais, em algum momento, eu duvide de tal. Ele responde um sim num discreto acenar de cabeça. Edwin baixa a cabeça, preparando-se, tal como eu, para se despedir no seu íntimo.

O processo começa a ocorrer diante dos meus olhos, porém encontro-me num mundo aparte. Anna tenta estar apta a qualquer auxílio necessário e parece também orientar Kira, que age como braço direito de Celina, e não tarda a que as três comecem um feitiço silencioso para adormecer o rapaz a quem confessei o meu amor tão recentemente, e ainda um outro que impedirá Alina ou o seu clã de descobrirem esta falsa recaída. Clayton começa lentamente a entrar num sono profundo, partindo-me o coração à medida que o vejo abandonar-me novamente, lutando ainda assim até ao último segundo para me contemplar com o seu par de olhos escuros. Entro numa memória do fim do dia anterior, uma memória, um cenário, em que quero ficar até tudo isto terminar.

A noite está perto e juro que posso sentir o cheiro do estufado que o meu pai está provavelmente a preparar. Posso dizer que sinto tremendas saudades de Mary, pelas mais diversas e variadas razões, sendo os seus deliciosos cozinhados uma delas. No entanto, sei que ainda não entrarei em casa para assistir à imagem do meu pai a tentar cozinhar algo que não sejam grelhados ou massas quando encontro Clayton no banco do alpendre, com os olhos fixos em cada movimento meu e um leve sorriso que derrete cada parte de mim ao saber que a sua causa sou eu.

-A esta hora a Alina já começou a reunir todas as suas tropas para te encontrarem. Não me parece que vá ser bom para mim se te encontrarem aqui. – Brinco à medida que nos aproximamos para sentirmos verdadeiramente a presença de cada um.

-Isso são ciúmes?

-Só porque te beijei esta manhã, não quer dizer que vá ter ciúmes.

-Bom, na verdade - Levanta o dedo no ar, com todo o divertimento a tentar ser guardado, porém falhando devido ao sorriso que contemplo. Agarra a minha cintura, puxando o meu corpo para perto do seu. – Tu também disseste, especificamente, que me amavas.

-Disse mesmo?! – Ironizo.

-Oh podes crer que disseste! – Quase sussurra, sem um sorriso, apenas toda a sua concentração em mim e a lentidão com que o diz. Leva-me para o seu aperto e acabo por descansar a minha cabeça junto ao seu peito. Tento impedir a minha mente de começar a lembrar-me que o tempo que tenho com ele junto a mim desta maneira está a esgotar-se.

Beija-me a nuca e faz-me olhá-lo, acabando por percorrer as costas da sua mão pela minha bochecha e tento guardar profundamente o toque.

-O que se passa? – Engulo em seco por ter sido facilmente apanhada.

-Nada. – Dou-lhe o meu melhor sorriso.

-Não me tentes mentir. – O pesar do seu rosto lamenta a minha tentativa de mentira. Suspiro.

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